epoca

A política e as falácias

 

O julgamento do mensalão não deve ser confundido por exercícios absurdos de retórica

 

Quando faltam duas semanas para o julgamento dos 38 réus do mensalão, o país assiste a

um falso debate sobre o caráter da decisão que será tomada após sete anos de investigação. Estimulado pelo ex-ministro e ex-deputado José Dirceu, apontado pelo Ministério Público de Roberto Gurgel como “chefe da quadrilha”, o bloco dos acusados se organiza em torno de uma ideia tão simplória quanto absurda. Dizem que não querem um “julgamento político”.

 

Como o próprio Dirceu aprendeu quando era simples calouro do curso de Direito da PUC de São Paulo, onde iniciou a carreira de líder estudantil de 1968, o Supremo Tribunal Federal (STF) está tecnicamente impossibilitado de fazer um julgamento que não seja político. Seus integrantes são indicados pelo presidente da República e referendados pelo Senado. Sua função é tomar decisões a partir de um único documento, a Constituição. Seja sobre cotas raciais, sobre células-tronco ou sobre denúncias de corrupção, todo julgamento no STF tem caráter político. Por um fato simples: trata-se – por definição – da mais alta instância de um dos Três Poderes da República.

 

Mas é igualmente absurdo dizer que uma deliberação do Supremo limita-se apenas a considerações

de natureza política. Quem tem o direito de agir assim é o Congresso. Tal condição permitiu que, na

semana passada, 59 senadores cassassem o mandato de Demóstenes Torres. Nessa votação, cada parlamentar votou de acordo com sua convicção, seus valores, por interesses partidários e até por vingança. Pode ser discutível, mas é assim que funciona numa democracia.

 

No Supremo, espera-se que os juízes tomem decisões a partir de um delicado equilíbrio, que envolve aquilo que se encontra nos autos e aquilo que cada ministro valoriza na Constituição. Não há lugar para preferências partidárias no STE Os juízes se alinham com caminhos ora diferentes, ora semelhantes, de interpretar a Constituição. Por essa razão, muitas vezes o plenário se divide entre maioria e minoria.

 

O Supremo também pode tomar decisões totalmente diferentes do Congresso. Em 1992, os parlamentares aprovaram a abertura de um processo de impeachment contra Fernando Collor, levando o presidente à renúncia. Quando o caso chegou ao STF, decidiu-se anular as principais prmifts contra o ex-presidente, e ele foi absolvido. Parece estranho, mas é natural. Tanto o Congresso como o STF representam poderes soberanos, que não podem ser submetidos aos

demais. Ébom para a democracia que eles funcionem assim.

 

Ao levantar o falso fantasma do “julgamento político” e pedir um “julgamento técnico’: os réus do mensalão apenas usam uma palavra neutra para tentar esconder seu problema real: a dificuldade de convencer os brasileiros de sua inocência. É um debate que eles perderam, ao menos até o momento em que Ayres Britto declarar aberta a sessão. Mesmo os desastrados esforços do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para demonstrar a “farsa do mensalão” não levaram a parte alguma. A decisão agora cabe apenas aos ministros do STF – a partir de 2 de agosto.

 

O problema é a saúde pública

 

Numa medida inédita, na semana passada a Agência Nacional de Saúde Suplementar

(ANS) decidiu punir 268 planos de saúde privada, oferecidos por 37 operadoras diferentes. Eles se

recusaram a cumprir os novos prazos para consultas e exames de clientes, estabelecidos em dezembro de 2011. Pelas regras em vigor, em nenhum caso a espera pode ultrapassar o limite máximo de três semanas. A medida não atinge os 3,5 milhões de brasileiros cadastrados nos planos punidos, que conservam seus direitos contratados. Mas impede que as operadoras continuem a oferecer seus serviços no mercado antes de regularizar a situação.

 

Quem entra no mercado de saúde privada sabe que se trata de um negócio sujeito a leis mais rigorosas, que zelam pela saúde da população. Por isso, as autoridades fazem bem em exigir

que os planos privados cumpram o que a lei manda. Mas não custa lembrar que nenhuma punição,

por mais rigorosa que seja, conseguirá melhorar a qualidade do atendimento médico oferecido à

maioria dos brasileiros.

 

A verdadeira dificuldade é de natureza estrutural. A situação precária do sistema público de

saúde tem empurrado cada vez mais brasileiros a bater às portas de planos privados. São milhões de pessoas, com todo o direito de lutar por um atendimento decente, mas sem renda para pagar – em valores de mercado – pelo que necessitam. O resultado é uma situação que lembra as fracassadas experiências do regime comunista: os clientes fingem que pagam pelos serviços que gostariam de receber, enquanto os planos de saúde fingem que fazem o combinado. O resultado são calotes – e a recusa em oferecer os tratamentos necessários.

 

A experiência universal mostra que a saúde da população deve ser assegurada por um bom serviço público, eficaz e de qualidade. O atendimento privado, mais custoso, sempre será incapaz de suprir as deficiências do setor público, O governo só obterá resultados relevantes, portanto, quando for além de punições e se mostrar capaz de usar de forma racional o dinheiro do contribuinte destinado constitucionalmente a zelar pela saúde da população.

 

Investimento? Sim, ministro. Mas não no grito

 

O sujeito que se encaixa hoje na definição “empresário brasileiro”, seja ele dono de um bar

ou de uma siderúrgica, arriscou muito seu dinheiro. Dependendo de quando resolveu empreender, enfrenta ou já enfrentou hiperinflação, a maior taxa de juros do mundo, a maior carga de impostos entre os países em desenvolvimento, uma legislação tributária que cresce e se complica a cada dia, normas em metamorfose constante, burocracia incompreensível, cobranças inesperadas de governos municipais e estaduais, fiscais corruptos e autoridades que dão informações discordantes. Pois, no início de julho, esse sujeito ouviu que seu mal é falta de “ousadia” no uso de seu dinheiro. O diagnóstico veio do ministro da Fazenda, Guido Mantega, num evento organizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Mantega reclamava que o nível de investimento total na economia – que depende principalmente dos empresários – não cresce. O resmungo lembrou a cobrança feita em março pela presidente Dilma Rousseff, numa reunião com grandes empresários na Capital Federal.

 

A presidente e o ministro bem que poderiam, ao deixar o governo, experimentar abrir uma empresa no Brasil a partir do zero, como cidadãos comuns, sem contar com as facilidades da influência e dos contatos nos lugares certos. Poderiam também acompanhar as dificuldades de quem tenta medir a segurança e prever o retorno de um investimento produtivo no país. São ambos exercícios que desafiam a sanidade dos envolvidos.

 

Dilma e Mantega estão certos ao se preocupar com o assunto. É o investimento que coloca para trabalhar novas máquinas industriais, fábricas, usinas, ferrovias, portos – a estrutura necessária para que o país continue a criar empregos, a aumentar salários e a consumir, sem perder o controle da inflação. Mas não há sinal de que o nível de investimento dará neste ano o salto necessário para

compensar a pasmaceira da economia global- e ninguém em Brasília tem o direito de reclamar. O governo federal investiu, no primeiro semestre, apenas um quinto do que estava programado, segundo a ONG Contas Abertas. O resto ficou preso nos desvãos dos ministérios, entre limitações do ano eleitoral, burocracia, demissões por corrupção, retaliações de incomodados e incompetência

administrativa. O desembolso, de R$ 19 bilhões, é inferior ao realizado no mesmo período em 2010.

 

Embora o governo venha fazendo esforços corretos para facilitar o investimento privado, Dilma e Mantega precisam se lembrar de quanto mais há a fazer. Mesmo num período de euforia econômica, entre 2004 e 2007, o nível de investimento total avançou lentamente, de 16% do PIB para 17,5%. Desde 2008, não consegue superar os 19%. Não será num momento de ansiedade global que o empresário correrá na direção do risco. Cabe ao governo federal melhorar o terreno para que

– como e quando aqueles que arriscam seu dinheiro achar adequado – o investimento privado cresça.

 

Fernando Abrucio

 

Que novidade haverá nestas eleições municipais?

 

A realização da oitava eleição municipal pós ditadura é um sinal importante do avanço democrático

no país. Essa importante conquista não significa, porém, que tenhamos resolvido nossos problemas, expostos na vida caótica das grandes cidades. Uma boa oportunidade de discutir o desafio de governar as metrópoles é a eleição em São Paulo, cujo tema básico,colocado pelo candidato a prefeito pelo PT,é a renovação. De tão importante, esse slogan precisa se transformar em referência para o debate. Masvale a pena entender melhor o significado da palavra antes de tomar a forma pelo conteúdo.

 

Obviamente a renovação não tem a ver com as alianças que os principais candidatos montaram. A famosa foto de Paulo Maluf com Lula não é a inovação de que precisamos. Ela apenas revela que

todos os partidos já se aliaram com Deus e com o Diabo para ganhar eleições – e, justiça seja feita,

Serra também sonhou com aquele abraço. Mudar essa realidade vai além destas eleições municipais e depende tanto da aposentadoria de algumas figuras decrépitas de nosso sistema político, como também da melhoria do arcabouço institucional. A implantação da Ficha Limpa ajudará nesse processo purificador. Mas seria importante mexer em questões como os critérios para distribuir tempo de rádio e TV aos partidos. O mais importante é proibir as coligações para as eleições proporcionais. Com essa alteração, o PT não precisaria namorar com o malufismo, e os tucanos não teriam de sejuntar aos companheiros de Valdemar Costa Neto. Claro que ninguém friamente acredita que Maluf mandaria num governo petista ou que o PR comandaria uma prefeitura sob a batuta de José Serra.

 

O ponto central de um debate baseado na renovação deve estar nas políticas públicas. Para

começar, os candidatos deveriam dizer como reformariam a carcomida máquina pública paulistana.

Há muitos cargos comissionados, distribuídos sem controle nem accountability. Eles permitem

que um desconhecido faça fortuna negociando a liberação de alvarás para prédios e shopping centers. Na verdade, a excessiva burocratização para conseguir qualquer documentação da prefeitura paulistana revela que o sistema foi montado não para responder aos interesses dos cidadãos e de empreendedores competentes, mas, sim, para alimentar uma teia de corrupção que congrega políticos e financiadores de campanha.

 

No fundo, se quiserem concorrer sob o signo da renovação, os candidatos terão de propor uma

revolução administrativa em São Paulo. Kassab perdeu essa oportunidade. Para não me colocar

como “professor de Deus”, conhecedor das “soluções perfeitas”, apresento aqui três temas que

devem merecer a atenção dos candidatos.

 

O primeiro é a qualidade dos serviços públicos na cidade.A morosidade na saúde tornou-se uma triste sina para os mais pobres. A obtenção de alvarás e documentos, um espaço de longa espera ou propina. Entramos num novo milênio, o mundo se tornou mais dinâmico, e a prefeitura de

São Paulo atende seus cidadãos com padrões administrativos do século XIX.O que fazer diante

desse descompasso?

 

O segundo tema é o conhecimento. E São Paulo está numa situação paradoxal. De um lado,

tem uma capacidade instalada de saber inigualável na América Latina. De outro, uma educação pública que deixa a desejar. Os mais ricos e parcela da classe média podem se instruir segundo

padrões comparáveis aos países mais desenvolvidos, e os mais pobres continuam sem acesso ao

que há de melhor na própria cidade. Todos perdem com esse cenário, pois a desigualdade extrai investimentos e gera combustível para anomias sociais.

 

Vale frisar que São Paulo até que tem melhorado suas escolas municipais nas últimas gestões. Mas

não o suficiente para remover o abismo existente entre os grupos sociais. Além de avançar com o

modelo de escola de tempo integral e outros dispositivos específicos dessa política, a cidade precisa

mobilizar seus cidadãos para integrar seus fios de  desenvolvimento. É preciso ter centros tecnológicos e de saber científico nas zonas Leste e Sul, com o apoio decisivo das principais faculdades e universidades em solo paulistano. Devem ser estimulados os diversos tipos de empreendedorismo em todos os cantos, e eles devem ser interligados às grandes empresas e aos principais circuitos do mercado. Mais do que melhorar a educação, o fundamental é transformar São Paulo na cidade do conhecimento, transformando essa questão em seu fio condutor e na forma como o mundo exterior reconhecerá a metrópole. Quem se habilita a construir um projeto nesse sentido?

 

O terceiro tema é o trânsito, cada vez mais caótico. Evidentemente, deve-se continuar prolongando

o metrô, como tem sido feito nos últimos anos. Mas também deve-se implantar, ao mesmo tempo, uma política para o transporte de ônibus, questão erroneamente deixada de lado por Kassab.

Outras soluções vinculadas a novas formas de regulação do uso do espaço urbano também terão de acontecer. A maior solução é reduzir o deslocamento de cidadãos e empresas. Revigorar o centro e levar o desenvolvimento para as regiões mais carentes é fundamental. Um prefeito renovador será aquele que descentralizar os recursos e a gestão da cidade. Para tanto, enfrentará a resistência das oligarquias distritais que tomam conta da Câmara Municipal. Que candidato trará essa questão para a campanha? Eis aí o maior obstáculo à inovação que o próximo prefeito enfrentará, se quiser mesmo governar sob o mote da renovação.

 

Guilherme Fiuza

 

cachoeira pode salvar o Brasil

 

Carlinhos Cachoeira perdeu a vontade de viver. Está extremamente deprimido, muito chateado mesmo. Quem deu essa notícia triste foi a noiva do “empresário da contravenção”, Andressa Cachoeira. A mesma que dois meses atrás dava risadas, dizendo que seu amado conquistara

muita gente por ser “uma pessoa encantadora”. Na época, a musa dos caça-níqueis fazia planos para o casamento assim que Cachoeira saísse da prisão. Hoje o casal não parece

mais tão feliz. O que mudou, afinal?

 

Aparentemente, nada. Carlinhos continua preso, Andressa continua linda, e o patrimônio milionário dos Cachoeiras, construído com o suor dos políticos comprados, continua intacto no laranjal da família. O que estará azedando esse conto de fadas do Cerrado? Ao que tudo indica, a culpa é da CPI.

 

Quando todos os holofotes estavam apontados para a Comissão que investiga as obras completas do bicheiro, estava tudo bem. Com o Brasil inteiro olhando para o escândalo, os clientes

de Cachoeira temiam em seus gabinetes. O risco a seus mandatos e pescoços recomendava um olhar carinhoso para com Carlinhos, garantindo-lhe tratamento republicano com a grife de

Márcio Thomaz Bastos, o padroeiro das causas malcheirosas. Era um tempo de otimismo, com governantes e parlamentares suando frio, e a sensação de que a qualquer momento um habeas corpus mágico do doutor Márcio acabaria com aquele constrangimento todo. Como chegou a ponderar Andressa, “ninguém está livre de ser preso” – ou seja, era um mero incidente a

superar, para o bem de todos (os sócios).

 

Mas algo deu errado. O Brasil, entediado, mudou de novela. Preferiu os pilantras de Avenida Brasil e os charlatões da Rio+20. Abandonada pelo público, a CPI ficou à vontade para embromar sem culpa. Aliviou o ex-dono da Delta,barrou sua convocação tranquilamente, enquanto a platéia assistia ao teatro da salvação do planeta no Rio de Janeiro. Os depoimentos de Fernando Cavendish e Luiz Antonio Pagot (ex-diretor do Dnit) ficaram para depois das férias, depois das Olimpíadas, depois do início da campanha eleitoral – enfim, ficaram para depois. É como se o desfile da Mangueira fosse marcado para Quarta-Feira de Cinzas.

 

Carlinhos não merecia isso. Com a queda vertiginosa da CPI no ibope, seus companheiros no Congresso e nos palácios descobriram que a farra pode sair mais barata do que parecia. Se o Brasil não está nem aí, eles também não estão. Cachoeira começou a entender que pode mofar onde está. Daqui a pouco o comando da República popular desloca Thomaz Bastos para refrescar outro aloprado, e a jovem Andressa perceberá que ninguém está livre de continuar preso. A essa altura, talvez nem a Playboy a queira mais.

 

Como rei morto é rei posto, Adriano Aprígio, o ex-cunhado de Carlinhos e um de seus principais testas de ferro, já caiu também. Foram descobertos e-mails enviados de sua casa à procuradora Léa Batista de Oliveira, uma das denunciantes do bicheiro, em tom não muito educado: “Sua vadia, ainda vamos te pegar. Cuidado, você e sua família correm perigo”. A prisão de Aprígio, um dos guardiões do patrimônio dos Cachoeiras, fez Carlinhos passar mal na cadeia, como revelou sua noiva, consternada: “Ele desmaiou. O diretor pegou, levou ele para a sala do diretor. Ele passou muito mal, muito mal mesmo”.

 

É comovente ver um homem que tanto fez por tanta gente sofrendo assim, sozinho, com as notícias terríveis que recebe na cadeia. Neste momento de dor, vai aqui um conselho ao torturado réu:

nobre empresário da contravenção, pare de esperar pela providência dos falsos companheiros. Acabe você mesmo com a solidão. Agora.

 

Faça como Roberto Jefferson: aperte o botão vermelho. Conte quem no governo federal mandava proteger a Delta e aprovar todos os acréscimos de contrato que a construtora espetava no PAC.Explique resumidamente como esse dinheiro saía do governo e voltava para as campanhas dos políticos aliados ao governo, passando por suas empresas de fachada.

 

Acorde, senhor Cachoeira. Seus amigos palacianos vão esquecê-lo nesse cubículo. Seus esquemas serão refeitos com outro despachante mais esperto. Entregue esses parasitas com crachás de revolucionários. O Brasil lhe será eternamente grato.

 

As provas do mensalão

 

Em “Temos provas do mensalão” (737/2012), o deputado Osmar Serraglio,relator da CPF que investigou a compra do apoio de parlamentares ao governo Lula, rebateu a versão dos acusados

o Banco Rural esclarece que, diferentemente do que foi publicado, o empréstimo concedido ao Partido dos Trabalhadores, em 14 de maio de 2003, foi integralmente quitado em 28 de junho de 2011. O valor original do empréstimo era de exatos R$ 3 milhões. Depois de algumas renegociações,

foi acordado o pagamento do montante devido, acrescido de juros e correção, em 34 parcelas mensais. O valor total pago ficou próximo de R$ 11 milhões. No processo do mensalão, levantou-se a suspeita de que esse empréstimo não fosse real, mas sim uma operação fictícia. Porém,

além da quitação da dívida, uma perícia da Polícia Federal, solicitada pelo relator do processo do caso no STF, atestou sua veracidade. Em relação ao senhor Marcos Valério, em junho de 2011 o Tribunal de Justiça de Minas Gerais reconheceu a legitimidade e os termos da cobrança judicial

contra ele referente ao empréstimo que lhe fora concedido em 2004. Vale ressaltar que esse é um dos quatro processos de natureza semelhante, e em todos a Justiça deu ganho de causa ao banco.

 

O Universo, Deus e você

 

ÉPOCA discutiu o significado da descoberta da partícula bóson de Higgs para a ciência, nossa visão

de mundo e para a fé

 

Essa partícula de Deus poderá desvendar o maior mistério que o homem vem pesquisando: a origem do Universo. Talvez demore muito tempo até essa descoberta, mas a ciência deu um salto triunfal

descobrindo essa partícula. Fernanda Cecilia Vargas Carnide, 4r São Paulo. SP

 

Toda descoberta científica nos pode ser muito útil. Quando a gente pensa que já viu de tudo

em termos de descoberta, novos horizontes surgem. Paulo Roberto Mattos Luiz, São Paulo. SP

 

Tudo o que foi criado por Deus precisa ser descoberto para alcançarmos a evolução. É graças ao

papel dos cientistas que desfrutamos muitas coisas que Deus criou. Ciência e religião não são opostos, são elementos que caminham juntos. Deus não diz como usar o que foi criado. Cabe aos homens estudar, questionar e explorar este Universo. É isso que Deus quer de seus criados. Que eles busquem a evolução desvendando os mistérios de seus feitos. Luiz Henrique Dias, Rio de Janeiro. RJ

 

Greve nas universidades

 

A greve dos professores das universidades federais foi o tema de”A greve remunerada dos professores universitários” (737/2012)

 

 Tenho 26 anos e ingressarei no doutorado no segundo semestre deste ano. Receberei uma bolsa de auxílio no valor de R$ 1.800 durante os próximos quatro anos. Nesse período, não poderei exercer nenhuma outra atividade remunerada, exceto ser professora numa instituição pública. Como professora, obter recursos adicionais por meio de contratos com empresas privadas, exceto em projetos de extensão, configura uma atividade ilegal, já que a maioria trabalha em regime de dedicação exclusiva. O que o autor Alberto Carlos Almeida sugere como alternativa? Mariana Paes da Fonseca Mala, Juiz de Fora,MG

 

Muito inquietante o autor dizer que as greves de professores nas universidades públicas não

têm seu real valor. Não vamos esquecer que bancamos em Brasília, há anos, políticos que nada

fazem. Devemos agora denegrir uma classe desmerecidamente? Matheus Ferreira de Oliveira, Durinhos, SP

 

FOMOS MAL

 

Na capa da edição 738, o texto correto para a chamada “Chantagem” é: “A pressão do ex-governador do Amazonas na eleição de Manaus “. A reportagem se refere ao ex-governador Eduardo Braga (PMDB), não ao atual governador, Omar Aziz (PSD). ÉPOCA pede desculpas pelo erro.

 

Quem aparece nafoto da página 47, em “Como o Universo funciona” (738/2012), é a pesquisadora

Sylvia Stevenson, no Laboratório de Laser da cidade de Wilmington, no Estado de Delaware (EUA).

 

A cirurgiã do bem

 

“Robin Hood de bisturi” (738/2012) mostrou a história da cirurgiã plástica que reconstrói a face de crianças com malformação usando o dinheiro que ganha fazendo lipoaspirações e implantes de silicone

 

A doutora Vera Lúcia Cardim merece nossa admiração pelo desprendimento financeiro e pelo amor ao próximo. É raro encontrar pessoas assim. Essa senhora, sem dúvida, fez medicina por amor, e não por status. Lécla Marinho, São Paulo,SP

 

Fiquei arrepiada quando terminei de ler a reportagem. São pessoas assim que me fazem acreditar num mundo melhor. Ajudo pessoas próximas como posso, mas ler a história da doutora Vera Lúcia me fez pensar que faço muito pouco e que, querendo, é sempre possível ajudar ainda mais quem precisa. Maria de Fátima loledo, Fortaleza, CE

 

JUNTOS, NA RUA E HONESTOS

 

Um casal de moradores de rua conhece a fama depois de desenvolver R$ 20 mil que encontrou em São Paulo

 

O morador de rua Rejaniel Jesus dos Santos e sua companheira, Sandra Regina Domingues, ambos de 36 anos, chegaram ao fim da semana cansados. Não tinham ainda absorvido a fama instantânea depois  que devolveram ao dono R$ 20 mil que haviam encontrado num saco de lixo jogado na rua.

 

o dinheiro era fruto de um assalto ao restaurante Hakkai Sushi. Os dois devolveram tudo ao dono

do restaurante, Miguel Kikuchi, de 42 anos. Como recompensa, Kikuchi fez uma oferta de emprego

a ambos no restaurante, onde o piso salarial é de R$ 880. Antes de encontrar o dinheiro, Sandra

e Rejaniel viviam com no máximo , R$ 150 mensais. Por dia, carregavam 35 quilos de metais nas costas num ferro-velho. Às vezes recebiam de doadores anônimos um pacote de arroz ou macarrão.

Rejaniel sempre sonhou com o dia em que um carro-forte quebrasse e ele pudesse fugir com

malotes de dinheiro. Não teve jeito. Diante dos R$ 20 mil, decidiram rapidamente: “Vamos devolver

o que não é nosso”.

 

Como o caso se tornou público, os dois logo se viram diante de uma maratona de compromissos

com a mídia, em que tentavam explicar a honestidade – para eles, uma qualidade natural. “Ontem

era uma entrevista atrás da outra, quase não me agüentava em pé”, dizia Sandra, na quarta feira.

No diawseguinte, Rejaniel partiria de avião para o Maranhão, para visitar a família, viagem

oferecida por um programa de TV. Seria a primeira vez em seis meses que estariam a mais do

que poucos metros de distância um do outro. Para quem não tinha uma casa ou uma família por

perto, ficar longe de seu amor fazia Sandra puxar os cabelos, baixar a cabeça e se calar. “Ela pensa

que eu não vou voltar. Que vou arrumar umas dez (mulheres)”, dizia Rejaniel. “Você vai me deixar

aqui com dois chifres enormes. Você é mulherengo”, afirmava Sandra. “Sei que sou gostoso,

mas nem tanto. Vou voltar inteiro”, respondia Rejaniel.

 

Rejaniel saiu da terra da melancia, Arari, a duas horas da capital maranhense, São Luís, quatro meses antes de completar 20 anos. Seu irmão financiara uma passagem de ônibus até São Paulo. No dia seguinte, Rejaniel já dava entrada na documentação para trabalhar como auxiliar de limpeza numa obra. Só viu seu pai, morto quando Rejaniel tinha 3 meses, numa foto, que teme ter perdido. Aos 6 anos, Rejaniel perdeu também a mãe, vencida por uma doença no pulmão. “Deu para gravar a imagem dela na mente’: diz.

 

Ele está há 16 anos em São Paulo. Há 13 não vê ou fala com parentes. Não lembra o último

dia em que esteve com o irmão. Arrumou várias companheiras – uma baiana, uma paulista, uma

mineira. Morou num albergue na Zona Leste e trabalhou como porteiro e ajudante-geral para a prefeitura de São Paulo, em caráter temporário. Ao fim de três meses, ficou sem nada. Catava

latinha para manter seus dois vícios: fumar e beber.

 

A chegada de Sandra mudou tudo. Ela nasceu em Andirá, no Paraná, e fala pouco sobre seu passado. Deixou por lá dois filhos – de 2 e 4 anos. Rejaniel diz apenas que ela é brigada com a mãe. “Com ela, foi uma nova fase”, diz. Sua mulher anterior brigava para que ele não bebesse. “Esta aqui”, diz, apontando para Sandra, “bebe e fuma.” Juntos, tentam se policiar para racionar e controlar os vícios. Conheceram-se enquanto ele vivia na calçada em frente à igreja da Comunidade São Martinho de Lima.

 

Sandra passava com frequência pelo local e um dia pediu que ele acendesse seu cigarro. “Estamos

juntos aos trancos e barrancos, ela sempre do meu lado:’ Sandra nem documentos tem – por isso não pôde acompanhar Rejaniel na viagem ao Maranhão. Rejaniel não cansa de tranquilizá-

Ia e promete não traí-la. “A vida nos ensina o que é bom e o que é ruim”, diz ele. “Aprendi isso

com o melhor professor. Aprendi com o mundo.”

 

O verão mais quente de todos os tempos

 

Os Estados Unidos passam pelo período mais quente dos últimos 117 anos. Pode ser uma prévia das mudanças climáticas

 

o Hemisfério Norte está fervendo. A temperatura média para o mês de junho nos Estados Unidos ficou 1,1 grau célsius acima da média do século XX. Os termômetros bateram o recorde desde que os registros começaram, há 117 anos, em cidades como Washington (40,5 graus), Saint Louis (41 graus) e Indianápolis (40 graus). Tempestades violentas deixaram cerca de 3,4 milhões de pessoas sem energia elétrica na Costa Leste no último dia 30.A seca devastou as plantações. Segundo

o Departamento de Agricultura, a estiagem já atinge mais de 1.000 condados em 26 Estados. Poderá causar uma queda de 12% na safra de milho deste ano. Não é só nos EUA. No sul da Rússia, as enchentes provocadas pelas fortes chuvas de verão atingiram 30 mil moradores e mataram 171. As queimadas engoliram milhares de hectares de florestas na Sibéria. A recente onda de calor é coerente com a expectativa das mudanças climáticas provocadas pela atividade humana. Segundo

a NOAA, agência americana para oceanos e atmosfera, a última década foi a mais quente na história nos EUA. Para o IPCC, órgão de mudanças climáticas da ONU, esses eventos extremos deverão piorar. “A atmosfera mais quente e úmida é uma receita para catástrofes’: afirma Michael Oppenheimer, da Universidade Princeton. A onda de calor no Hemisfério Norte pode ser só mais um anúncio do que a Terra nos reserva.

 

FELIPE PATURY

 

Partido Social Brasileiro

 

OPSB e o PSD negociam a formação de um bloco parlamentar e já escolheram até um líder comum: o deputado Márcio França (PSBSP). O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi informado do estágio atual das conversas. Se o futuro bloco vingar, terá a maior bancada da Câmara,

com prerrogativa de indicar candidato a presidente da Casa. Quem seria? O próprio França. A aliança pode ser o embrião de um novo partido. Na cúpula de ambos, há até quem tenha sugerido nome: Partido Social Brasileiro, com DNA do Partido Socialista Brasileiro e do Partido Social Democrata.

 

Põe tensão nisso

Já se sabe que o ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro, abandonou a carreira (curta) de cantor gospel ao entrar na política. Agora, descobre-se que Guiga Ribeiro (seu nome artístico) também

enveredou pelo rock. Teve duas bandas: a Alta Tensão, de pauleira, e a mais progressiva, Clã de Atenas. Gravou dois CDs antes de trocar o Clã de Atenas pelo clã do Partido Progressista (PP). De vez em quando, ainda tem uma recaída metaleira. Ele foi pura Alta Tensão quando botou Paulo

Maluf para tocar na campanha do petista Fernando Haddad a prefeito de São Paulo.

 

PENa de tucano

 

O PEN (Partido Ecológico Nacional) será criado nesta semana com uma bancada de oito a 11deputados. O presidente da legenda, Adilson Barroso, está garimpando adesões em sete partidos.

Teve mais sucesso com o PSDB. Lá, tem a promessa de quatro filiações. Uma delas é o deputado

paranaense Fernando Francischini. Os tucanos que se metamorfosearem em ecologistas devastarão o ambiente do PSDB em 2014: sem eles, o partido terá menos tempo no horário eleitoral.

 

Só Arruda?

 

Denunciado por corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, o governador cassado do

Distrito Federal, José Roberto Arruda, foi convidado pelo PTB a concorrer a uma vaga de deputado em 2014. Com o julgamento de seu presidente, Roberto Jefferson, pelo mensalão, o PTB,

além de Arruda, precisará de pimenteira, espada-desão- jorge e, sobretudo, de comigo-ninguém-pode.

 

DPVAT

 

Foram feitos 16 mil pedidos ao governo federal com base na Lei de Acesso a Informações. O

tema que suscita mais interesse é como sacar o DPVAT. Ele motiva 11 % das solicitações.

Na sequência, vêm as aposentadorias e os benefícios do INSS. A lista está detalhada

nesta coluna em epoca.com.br.

 

Come-se fria

 

Em 2010. o deputado Natan Donadon (PMDB-RO) foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal a 13 anos e quatro meses de cadeia por corrupção. Formação de quadrilha e peculato. Com um pedido de reexame do processo. evitou a cana e manteve o mandato. A petição entrou e saiu da pauta do Supremo uma dezena de vezes. Informalmente. Donadon se aconselha com o advogado Nabor Bulhões. que defendeu o senador Fernando Collor (PTB-AU em seu impeachment. em 1992. Se Donadon perder o mandato. quem assume o cargo em seu lugar é Amir Lando. relator da

CPI do PC e carrasco de Collor.

 

Idade não vale

 

Até hoje. vigorou uma regra segundo a qual os crimes prescrevem mais rápido quando o réu tem 70 anos ou mais. A ministra do Superior Tribunal de Justiça Laurita Vaz desconsiderou esse princípio ao julgar uma ação do Ministério Público contra o exbanqueiro Ângelo Calmon de Sá do Econômico. Condenado a quatro anos de prisão por gestão fraudulenta. ele vencera em instâncias inferiores. É uma mudança na jurisprudência.

 

Pegou mal

 

Num encontro com um grupo de deputados a ministra das Relações Institucionais. a petista Ideli

Salvatti. referiu-se ao líder do DEM. ACM Neto como Grampinho. Ele detesta esse apelido. que alude

a grampos telefônicos atribuídos a seu avô ACM.

 

Vermelho não. Rosa!

 

Foi a presidente Dilma Rousseff quem pôs o marqueteiro João Santana na campanha de Patrus Ananias candidato petista a prefeito de Belo Horizonte. Santana garantiu à presidente que conseguirá se dividir entre a capital mineira. São Paulo onde defende o petista Fernando Haddad. e a eleição da Venezuela onde trabalha para reeleger Hugo Chávez. Santana disse até o que fará para Patrus. Uma de suas ide ias é substituir na TV o vermelho petista por uma cor mais esmaecida. o rosa. Tem mais. Santana leva consigo o Vox Popull, do sociólogo Marcos Coimbra. Foi um golpe no prefeito Márcio Lacerda (PSB). que tenta mais um mandato. O Vox Populi tinha uma relação

longa com Lacerda e seu padrinho. o senador Aécio Neves (PSDB).

 

Melhor de três

 

Está aberta a sucessão do presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

José Maria Marin.O diretor de candidatíssimo ao cargo. Tem o apoio do ex-presidente Luiz

Inácio Lula da Silva e se vê fortalecido pela vitória de seu Corinthians na Libertadores.

Chefe da Série B do Brasileiro. Reinaldo Bastos corre por fora. Mas o favorito é outro:

Marco Polo Del Nero. Braço direito de Marin. ele foi eleito por unanimidade vice presidente

da CBF. Del Nero foi promovido de candidato natural a substituto formal. Para evitar tiros do trio.

Marin diz que não tentará a reeleição em 2014.

 

Papai Sabe tudo

 

Com Leonel Rocha e Igor Paulin e reportagem de Alberto Bombig Candidato do DEM

a prefeito do Rio. Rodrigo Maia terá como marqueteiro seu pai. O ex-prefeito César Maia.

Foi ele quem vestiu Rodrigo com gibão de couro em visita à Feira de São Cristóvão um

enclave nordestino.

 

Gente fina

 

A Iguatemi Shopping Centers comprou 800.000 metros quadrados no Lago Sul. bairro mais nobre

de Brasília. Pretende construir lá seu segundo shopping na capital. O primeiro foi inaugurado há dois

anos no Lago Norte.

 

Ligou?

 

Uma pesquisa feita pela FSB com 220 deputados de 19 partidos apontou os desempenhos das

agências reguladoras. A mais bem classificada foi a Aneel, de energia. A pior. a Anatel. Precisa

dizer que é de telefonia?

 

Zona fraca

 

A Zona Franca de Manaus empregava 126 mil em outubro de 2011. Hoje gera 115mil empregos. Para estancar a queda. será suspensa a cobrança do ICMS para 30 fábricas de motos. O recolhimento de outros impostos também será adiado.

 

COMO A DELTA PAGOU PERILO

 

Um relatório da Policia Federal obtido com exclusividade por ÉPOCA comprova os elos entre o esquema de Carlinhos Cachoeira e o governo de Goiás

 

No dia 27 de junho, o Núcleo de Inteligência da Policia Federal remeteu ä Procuradoria-Geral da Republica um relatório sigiloso, contendo todas as evidencias de envolvimento do governo Marcon Perillo com o esquema da construtora Delta e do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Como governador de Estado, Perillo só pode ser investigado pelo procurador-geral da República – e processado no Superior Tribunal de Justiça. O relatório, a que ËPOCA teve acesso com exclusividade, tem 73 páginas, 169 diálogos telefônicos e um tema: corrupção.

 

O documento está sob os cuidados da subprocuradora Lindora de Araújo, uma das investigadoras mais experientes do Ministério Público. Ela analisará que providências tomar e terá trabalho:

são contundentes os indícios de que a Delta deu dinheiro a Perillo.

 

Alguns desses 169 diálogos já vieram a público; a vasta maioria ainda não. Encontram-se nesses trechos inéditos as provas que faltavam para confirmar a simbiose entre os interesses comerciais da Delta em Goiás e os interesses financeiros de Perillo. Explica-se, finalmente, o estranho episódio da venda da casa de Perillo para Cachoeira, que não foi bem entendido. Perillo nega até hoje que tenha vendido o imóvel a Cachoeira; diz apenas que vendeu a um amigo. O exame dos diálogos interceptados fez a Polícia Federal, baseada em fortes evidências, concluir que:

 

1) assim que assumiu o governo de Goiás, no ano passado, Perillo e a Delta fecharam, diz a PF,

um “compromisso”, com a intermediação do bicheiro Carlinhos Cachoeira: para que a Delta recebesse em dia o que o governo de Goiás lhe devia, a construtora teria de pagar Perillo;

 

2) o primeiro acerto envolveu a casa onde Perillo morava. Ele queria vender o imóvel e receber

uma “diferença” de R$ 500 mil. Houve regateio, mas Cachoeira e a Delta toparam. Pagariam com cheques de laranjas, em três parcelas;

 

3) Perillo recebeu os cheques de Cachoeira. O dinheiro para os pagamentos – efetuados entre março e maio do ano passado – saía das contas da Delta, era lavado por empresas fantasmas de Cachoeira

e, em seguida, repassado a Perillo, Ato contínuo, o governo de Goiás pagava as faturas devidas à Delta;

 

4) a Delta entregou a um assessor de Perillo a “diferença” de R$ 500 mil;

 

5) a direção nacional da Delta tinha conhecimento do acerto e autorizou os pagamentos. Para compreender as negociações, é necessário conhecer dois personagens, que chegaram a ser presos pela PE Um é o tucano Wladmir Garcez, amigo de Perillo e ex-presidente da Câmara de Vereadores de Goiânia. Garcez atua como uma espécie de embaixador de Perillo junto à Delta e à turma de Cachoeira: faz pedidos, cobra valores, entrega recados. O segundo personagem é Cláudio Abreu, diretor da Delta no Centro-Oeste e parceiro de Cachoeira no ataque aos cofres públicos de Goiás. Na hierarquia da Delta, Abreu detinha a responsabilidade de obter contratos públicos para

a construtora e – o mais difícil, custoso – assegurar que os governantes liberassem os pagamentos em dia. A corrupção neste caso, como em tantos outros, nasce na oportunidade que o Poder Público

oferece: um detém a caneta que pode liberar o dinheiro; outro detém o dinheiro que pode mover a caneta. Na simbiose entre a Delta e o governo de Goiás, Garcez e Abreu eram os sujeitos que se dedicavam a fazer o dinheiro girar, multiplicar-se. Não há caixa de campanha ou questiúncula política nessa história. O objetivo era ganhar dinheiro.

 

A PF começou a monitorar as atividades ilegais das duas turmas, de Perillo e da Delta, em 27

de fevereiro do ano passado. Naquele momento, Perillo cobrava o pagamento do “compromisso”

da Delta. Num diálogo interceptado pela PF às 20h06, Cachoeira pede pressa a Abreu. Disse Cachoeira: “E aquele trem (dinheiro) do Marconi (governador), hein? Marconi já falou com o Wladmir (Garcez), viu”. Abreu chora miséria, como bom negociante. “Vou falar amanhã que não tem jeito”, diz Cachoeira. “Mas não é 2 milhões e meio, não. Ele (Marconi) quer só a diferença.” Cachoeira

refere-se, aqui, à operação de venda da casa, o assunto mais urgente naquele momento. Abreu faz jogo duro: “Pois é, doutor, eu não tenho como. Do mesmo jeito que o Estado tá com o orçamento

fechado, eu também tô”. O jogo é simples: uma parte quer que a outra aja antes. Perillo quer o dinheiro antes de liberar a fatura; Abreu, da Delta, quer a fatura paga antes de liberar o dinheiro

para Perillo.

 

As negociações prosseguem, emperradas em alguns momentos por desconfianças mútuas. Numa ligação na mesma noite, Cachoeira certifica Abreu de que Garcez, o interlocutor de Perillo, não está pressionando a Delta sem motivos. “Não é o Wladmir, não. É ele (Marconi) que tem esse trem na

cabeça, da diferença e não sei o quê, viu?”,diz. No dia seguinte, preocupado com a demora da Delta em liberar o dinheiro, Cachoeira pede a Garcez que dê “um aperto” em Abreu, de modo a

garantir o negócio. Garcez liga para Abreu e reforça que a Delta deve pagar logo o “compromisso” com Perillo. Garcez explicara a Perillo que a Delta não conseguiria quitar o acerto logo. Diz Garcez, no diálogo com Abreu: “Tive lá no Palácio, conversei com o governador lá. Falei… ‘Olha, o compromisso que ele (Abreu) tinha feito com o senhor faltava 1 milhão e meio. (…) Ele (Abreu) vai ver se cumpre aquele compromisso com o senhor”. Diante da pressão, Abreu diz que tem “outros

compromissos” em Mato Grosso e em Mato Grosso do Sul. Pede tempo.

 

Nervoso com a lentidão de Abreu, Cachoeira resolve dar prosseguimento ao negócio com Perillo – e cobrar depois da Delta. A partir daí, o acerto realiza-se com rapidez. Ainda no dia 28, Garcez informa a Cachoeira que Perillo quer cheques nominais. Combinam a entrega de três cheques para

o dia seguinte, às 14 horas: dois de R$ 500 mil e um de R$ 400 mil, deposita depositados no dia 1Q de cada mês. Em seguida, no dia 1Q de março, Cachoeira faz a operação: pede ao sobrinho que assine os cheques, avisa a Delta e manda entregar os cheques no Palácio das Esmeraldas,

sede do governo de Goiás. Às 14h53, Garcez, que estava no Palácio, confirma a Cachoeira que os cheques foram entregues e avisa que levará a escritura do imóvel no dia seguinte. Doze minutos depois, Cachoeira já pede a contrapartida a Garcez: “O trem da Delta, aqueles 9 milhões que o Estado • tem de pagar … Você levou para mostrar para ele (Perillo )?”.Garcez confirma:

“Tá comigo aqui. Oito milhões, quinhentos e noventa e dois, zero quarenta e três”.Às 16h37, Garcez informa a Cachoeira que está no gabinete do governador, entregando os cheques.

Em seguida, Garcez comunica a Abreu que os problemas da Delta acabaram. “(Perillo) falou que vai resolver: ‘Não, pode deixar que isso aqui eu resolvo”‘. E resolveu: ainda no dia 1li de março,

o governo de Goiás liberou R$ 3,2 milhões para a conta da Delta. No dia seguinte, o cheque de R$ 500 mil foi depositado na conta de Perillo.

 

No dia 3 de março, Cachoeira comemora com Abreu a “porta aberta” com Perillo. “Ele (Perillo) engoliu aqueles 500 mil… Ele (Perillo) responde em tudo, deu as contas para pagar”, afirma

Cachoeira. Cachoeira pediu a seu sobrinho Leonardo Ramos, que costuma assessorá-lo, para que preparasse um contrato de compra e venda no nome de um laranja – e começou a chamar

amigos para conhecer a linda casa que comprara de Perillo. No dia 25 de março, o governo de Goiás liberou mais um pagamento de R$ 3,2 milhões para a conta da Delta. Enquanto os pagamentos

caíam nas contas da Delta, a Delta cobria, por meio de uma empresa laranja, os cheques dados por Cachoeira.

 

O segundo cheque de R$ 500 mil foi compensado no dia 4 de abril. Cachoeira, sempre zeloso, checava tudo com seu contador. No dia 29 de abril, antes da compensação do último cheque, no

valor de R$ 400 mil, Abreu voltou a reclamar com Cachoeira que as faturas da Delta haviam sido retidas novamente. Abreu foi claríssimo na contrapartida necessária para pagar o último cheque:

“Deixa eu te contar uma amarelada que eu dei aqui. Wladmir (Garcez) tá me rodeando aqui. Eu falei: ‘Wladmir, tá bom: que dia vai me pagar? Tá prometido até sexta que vem, tá? Então vamos fazer o

seguinte: eu pago os 400. Se ele (Perillo) não me pagar até sexta (…) você me devolve os 400′. Aí ele amarelou aqui’: Os dois reclamaram da demora de Perillo. Cachoeira disse: “Agora tem de tolerar

porque nós já pusemos o pé na jaca”. Eles reclamam, reclamam, reclamam … mas no fim pagam. No dia 2 de maio, Cachoeira ordenou a seu contador que contatasse o pessoal de Perillo e descontasse

o último cheque. ”Aquele lá (o cheque) não podia falhar de jeito nenhum, né?”, diz o contador. O cheque foi descontado. E o que aconteceu? O governo de Goiás liberou mais uma parcela de R$

3,2 milhões para a conta da Delta.

 

Não demorou para Cachoeira perceber que morar na antiga casa do governador de Goiás lhe traria problemas. Num diálogo com sua mulher, Andressa Mendonça, em 17 de maio (leia na página ao lado), Cachoeira compartilhou seu temor por telefone: “Esse trem não vai dar certo (da casa). Vão acabar sabendo que é minha”. Cachoeira começou, então, a procurar um modo de se desfazer do imóvel, apesar dos protestos de Andressa, que já decorara a casa e adorava o lugar. As conversas

interceptadas pela PF mostram em detalhes como Cachoeira repassou a casa para um terceiro, o empresário Walter Santiago, sem aparecer. Para isso, recorreu à ajuda de Garcez, que coordenou

a transação. Garcez assegurou ao empresário que a casa era de Perillo. No dia 12 de julho, Walter

Santiago, rodando num carro blindado, encontrou-se com Garcez e lhe entregou R$ 2,1 milhões

em dinheiro vivo. Cachoeira orientou Garcez pelo telefone: “Manda trazer o dinheiro aqui no Excalibur (prédio onde mora Cachoeira), entendeu? Manda o professor (Walter Santiago) trazer

no Excalibur, porque ele tá com carro blindado”.

 

Em seguida, Garcez informou a Cachoeira que Lúcio Fiúza, então assessor especial de Perillo, estava com eles no carro. Responde Cachoeira: “Então pega tudo e vem para casa. Dá só os quinhentos na viagem para o doutor Lúcio. (…) Já fala para o doutor Lúcio pegar os cem também (parte do assessor de Perillo). É dois e cem, viu (R$ 2,1 milhões, o dinheiro a ser entregue)? Pega os cem logo e já mata ele, ou então já fala a data que ele tem de entregar”. Não fica claro se os R$ 500 mil para Fiúza referem-se à parte de Perillo nessa segunda operação – ou se era um pagamento pendente por outra razão. Também nessa segunda operação, Cachoeira recebeu – e distribuiu

a gente próxima a Perillo – mais dinheiro do que valia o imóvel.

 

Cachoeira confirma isso num diálogo com Andressa, ainda no dia 12. Andressa pergunta por quanto ele vendeu a casa. “Dois e cem”, diz Cachoeira. “Esse trem é do Marconi e não ia dar certo, não. Tem de passar logo esse trem para o nome dele (possivelmente o empresário Walter). Porque eu vou perder um trem de bilhões por causa de um negócio à toa.” Andressa não quer saber de negócios ou dinheiro. Quer saber da prataria da casa e das coisas bonitas e caras que comprou para decorá-la. “Você explicou para ele (empresário Walter) que roupa de cama, coisa pessoal,

acessório de banheiro, nada disso vai, né?”, diz Andressa. Cachoeira se irrita: “Deixa a roupa de cama do jeito que tá lá. Não faça isso, não. Pega as pratarias que o Wladmir escondeu lá

dentro”. “Eu não vou deixar roupa de cama de 400 fios para ele, não. Cê ta louco?”, diz Andressa. Cachoeira, então, confessa o preço real da casa e revela a existência da “diferença”. “Deixa do jeito

que tá. Aquilo lá custou quanto? Afinal, eu comprei ela (a casa) por mil (R$ 1 milhão), vendi por mil e quinhentos (R$ 1,5 milhão). Tá bom, me ajudou a vender.” A conta é a seguinte, segundo a PF: o empresário Walter Santiago pagou R$ 2,1 milhões pela casa. Destes, R$ 100 mil foram para Fiúza, o assessor de Perillo, R$ 500 mil para Perillo, levados por Fiúza – e o restante, R$ 1,5 milhão, para Cachoeira.

 

O que Cachoeira fez depois de receber o R$ 1,5 milhão? Ligou para a Delta. Confirmou o recebimento do dinheiro e perguntou a Abreu se o contador da Delta já fora avisado. Abreu

disse que estava ao lado de Carlos Pacheco, principal executivo da Delta, a quem Abreu chama de “chefe”. Abreu disse: “Eu falei com o chefe aqui, viu, amigo? Ele falou que era para ‘você guardar esse dinheiro, era para você aplicar lá no entorno (entre Brasília e Goiás), no projeto. Que o projeto lá vai exigir uns 4 milhões e meio, mas eu falo com você pessoalmente”. A PF não descobriu que projeto seria esse. Mas a fala de Abreu deixa claro o que outros diálogos confirmam: a direção da Delta nacional não só sabia das operações de Cachoeira no Centro-Oeste, como coordenava algumas negociações. Até agora, a Delta insiste na versão segundo a qual Abreu agia sozinho.

 

E manteve sua lioha de defesa, após ÉPOCA questionar a empresa sobre as novas evidências. Por meio de uma nota, a Delta afirma não ter conhecimento da apresentação de uma fatura da empresa ao governador Marconi Perillo, nem da visita de Wladmir Garcez ao Palácio de governo para

resolver um assunto da empreiteira. A nota também afirma: “Empresas de construção civil que atuam no setor público, como a Delta, precisam zelar e velar pelo recebimento pontual e em dia dos compromissos assumidos a fim de não ocorrer solução de descontinuidade nas obras”. A empresa

diz ainda que o ex-presidente Carlos Pacheco nunca teve relação comercial com Cachoeira e que a empresa tem prestado esclarecimentos necessários aos órgãos instituídos.

 

Perillo também preferiu não prestar esclarecimentos a ÉPOCA. Não respondeu às perguntas sobre eventuais conversas para discutir pagamentos da Delta e sobre a relação desses pagamentos com a venda da casa. Em nota, limitou-se a dizer que “prestou, por meses a fio, todos os esclarecimentos

solicitados pela imprensa, pela sociedade e pela CPI”. Perillo criticou ainda o deputado Odair Cunha (PT-MG), relator da CPI do Cachoeira. Disse que o deputado quer transformar a CPI numa “comissão de investigação do governador Marconi Perillo”. Diz ainda a nota: “No exaustivo crivo a que foi submetido, nenhum fato se encontrou que possa desabonar sua biografia (de Marconi Perillo) de cidadão ou de homem público. Ao contrário, a Receita Federal, por exemplo, emitiu nota técnica

na qual atesta que o patrimônio do governador é compatível com seus rendimentos. Portanto, o governador Marconi Perillo informa que, considerando já devidamente esclarecidos os assuntos

de fato relevantes, não se pronunciará mais a respeito de questões atinentes a sua vida privada, reservando essa providência, como é natural, unicamente para os assuntos relacionados a suas atividades como governador do Estado”

 

Perillo depôs na CPI do Cachoeira há um mês, quando começavam a se acumular evidências de que ele mantinha relações com a empreiteira Delta e com Cachoeira. Na ocasião, foi claro: “O senhor Carlos Cachoeira não teve a menor participação na venda da casa. (A venda da casa) foi feita de forma transparente ao atual empresário Walter Paulo. (…) Os valores (da venda da casa) foram de acordo com o mercado”. Até agora, desconfiava-se que as três afirmações não eram verdadeiras.

Agora, com o relatório da PE sabe-se que são falsas: Cachoeira participou da compra da casa, a operação aconteceu na sombra e o valor da venda foi superior ao de mercado. Perillo também disse à CPI: “De forma desavisada ou maldosa, vejo, aqui ou acolá, afirmações de que o senhor Carlos Augusto, o Cachoeira, teria influência em meu governo”. Os diálogos interceptados pela PF e a

cronologia do pagamento das faturas à Delta revelam que Cachoeira tinha, sim, influência. Outra frase de Perillo: “Falaram (nos diálogos até então divulgados) sobre seus planos (da turma de

Cachoeira), mas nada se concretizou. Nada! Reafirmo: nada se concretizou”. Aqui, mais uma vez, as cobranças da Delta ao amigo de Perillo, os cheques compensados nas contas de Perillo e o consequente pagamento das faturas da Delta apontam o contrário.Por fim, Perillo bradou na CPI: “Não tem propina no meu Estado”.É uma afirmação ousada. Os delegados da Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República, ao que parece, discordam.

 

O BRASIL PELAS LENTES DE O CRUZEIRO

 

Uma exposição mostra o esplendor das imagens da revista que inaugurou o fotojornalismo no país

 

Os anos 1950, uma piada era contada para ilustrar as diferenças entre as duas principais

revistas semanais em circulação no Brasil, O Cruzeiro e Manchete. Ambas dedicavam grandes espaços para fotografias,  mas dizia-se que O Cruzeiro, mais antiga, informativa e densa, era uma redação com um parque gráfico. Já a concorrente Manchete, mais nova, colorida e leve, era

um parque gráfico com uma redação. O chiste resumia bem as divergências entre as duas publicações. Em Manchete, o impacto visual da fotografia era o mais importante. Em O Cruzeiro, o aspecto estético era igualmente relevante, mas estava a serviço das ideias.

 

Nos anos 1960, O Cruzeiro foi ultrapassado pela rival como parte de um lento processo de decadência que culminou com o fim da revista em 1975. Durante os anos 1940 e 1950, reinou como a publicação de maior penetração social do país, ao influenciar a política, reproduzir os gostos da elite e refletir as mudanças de uma sociedade que buscava ansiosamente a modernização e a superação de atrasos seculares. Grande parte do prestígio se devia à introdução do fotojornalismo

no Brasil. Antes de O Cruzeiro, a fotografia na imprensa brasileira servia como mero adereço visual. Ela simplesmente registrava em imagem o que estava contado no texto. A revista profissionalizou a

fotorreportagem, formou uma equipe de primeira linha e passou a investir na foto .como um veículo que tinha autonomia e importância igual ou até maior que o texto. Trinta e sete anos depois de seu

fim, ela continua uma referência, como mostra Um olhar sobre O Cruzeiro – As origens do fotojornalismo no Brasil, exposição no Instituto Moreira Salles (IMS), no Rio de Janeiro.

 

Numa era em que a televisão ainda era incipiente, os fotojornalistas de O Cruzeiro tornaram-se os responsáveis pela narrativa visual do país e construíram arquétipos do Brasil que perduram até

hoje, como as imagens da pobreza rural, dos retirantes nos centros urbanos e dos índios. Os repórteres da revista estiveram na linha de frente da Marcha para o Oeste, as expedições comandadas pelos irmãos Villas- Boas que desbravaram os territórios indígenas da Amazônia, e desempenharam um papel importante na estratégia de assimilação do índio pela sociedade. “O Cruzeiro reavivou o mito fundador da nação, encenou a aceitação da superioridade da cultura ocidental por parte dos povos indígenas e vislumbrou um futuro em que eles seriam alegres

personagens da sociedade moderna urbano-industrial’: dizem os curadores Sérgio Burgi, do IMS, e Helouise Costa, da Universidade de São Paulo (USP).

 

Os fotógrafos de O Cruzeiro estavam sintonizados com as linguagens e as técnicas mais modernas do fotojornalismo. Eles se miravam em revistas como a francesa Match e a americana Life e apropriavam-se do que consideravam o melhor. A equipe da revista contava com vários colaboradores estrangeiros, como os franceses Pierre Verger, que fotografou os cultos afro-brasileiros, e Jean Manzon. Estrela da revista, Manzon era um especialista no uso da câmera Rolleiflex e em grandes fotos posadas, como as que fazia do ditador Getúlio Vargas, exemplos de

seu preciosismo técnico. Manzon teve discípulos como o piauiense José Medeiros, outro astro da revista, e alguns antagonistas, como o cearense Luciano Carneiro. Adepto da câmera Leica, mais

leve e de fácil manejo, Carneiro preferia o fotojornalismo de ação.Foi um pioneiro do correspondente de guerra no Brasil ao cobrir o conflito na Coreia. Morreu aos 33 anos num acidente aéreo depois

de uma missão muito menos perigosa: fotografar o primeiro baile de debutantes de Brasília, em 1959.

 

Mesmo com todos esses talentos, o fotojornalismo de O Cruzeiro não teria tal repercussão se seu criador não fosse o empresário Assis Chateaubriand. Ele ergueu o primeiro conglomerado de comunicação do país, com métodos para lá de controversos, que iam da bajulação à chantagem. Usava a revista como instrumento de poder pessoal, mas acreditava que a publicidade deveria ser o principal meio de financiamento da imprensa brasileira – e foi um dos responsáveis por sua modernização. Chatô não economizava. Manteve uma equipe de 17 fotógrafos que cruzavam o país em viagens e tinham aviões à disposição. O prestígio da revista durou enquanto ele bancou essa aventura. O fotojornalismo de O Cruzeiro é também o registro de uma época da imprensa que não voltará.

 

Pobres advogados

 

A Defensoria Pública da União dá assistência jurídica a quem não pode pagar. Mas sofre com a falta de quadros estrutura e autonomia

 

O paraibano Serafim Simeão, de 71 anos, é o oitavo de 20 irmãos. Migrou para o Rio de Janeiro

há 50 anos. Fez bicos, trabalhou numa cooperativa de táxis e, depois de sofrer oito assaltos, passou a atuar como pedreiro. Há cinco anos, sofreu um derrame, que lhe deixou sequelas em todo o

lado esquerdo do corpo. Simeão caminha mancando. Um dos braços não lhe obedece. Viúvo, mora numa casa alugada em Bangu, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Quando foi atrás de sua  aposentadoria, descobriu várias irregularidades em suas contribuições. Por isso, não teria direito

a um benefício. Impedido de trabalhar, não sabia como pagar suas contas.

 

Num dos postos do INSS, um porteiro sugeriu que ele procurasse um lugar de nome “complicado”: a Defensoria Pública da União, perto do mercado popular da Uruguaiana, um dos formigueiros

humanos do centro do Rio de Janeiro. Simeão pegou dois ônibus para chegar até lá. Decisão acertada. Depois de receber assessoria jurídica da DPU, há quase um ano ele recebe seu benefício. Seu caso foi coberto pela Lei Orgânica de Assistência Social (Loas), que permite a pessoas carentes ter direito a um benefício assistencial. Ele agora ganha um salário mínimo – R$ 622. Pouco, se comparado a seus gastos: R$ 200 de aluguel e contas gerais, mais pelo menos R$ 80 de remédios

para pressão e colesterol todo mês. Fora a comida. Uma das cinco filhas o ajuda quando pode.

 

A história de Serafim Simeão é semelhante à de muitos outros brasileiros que, no momento de se aposentar, deparam com problemas de contribuição ou com a própria burocracia. A atuação das Defensorias Públicas da União tem sido sinônimo de sobrevivência na vida de gente como ele. Mas esse órgão, cuja missão é representar o cidadão em ações contra a União, ao oferecer assessoria jurídica a brasileiros carentes, precisa de advogados. Em suas sedes, espalhadas pelas capitais

e por algumas outras poucas cidades, a DPU tem estrutura muito aquém de sua importância. O corpo de defensores é considerado pequeno demais: 474 para todo o território nacional. Do outro lado da mesa, defendendo os interesses – também legítimos – da União, a Advocacia-

Geral da União (AGU) conta com a ação de quase 7.970 advogados.

 

As instalações das DPUs são precárias,com equipamentos e infraestrutura ultrapassados. O quadro administrativo é mínimo. “Os defensores instalam cabos, saem para comprar papel e copo de

plástico, muitas vezes do próprio bolso’: diz o advogado Eraldo Silva Junior. Por dois anos, ele liderou a equipe da DPU no Rio de Janeiro. Marcus Vinicius Lima, defensor-chefe da DPU de São Paulo, conhece bem esse enredo. “Aqui estamos sem contrato de manutenção. A bomba

de água enguiçou, tive de ficar quatro meses ligando e desligando todos os dias, eu

mesmo. E não ganho nada pelo cargo de chefia. Coordeno tudo mantendo minhas atribuições regulares de defensor”.

 

São Paulo, o Estado mais populoso do Brasil, tem o maior número de defensores: 60. No Rio de Janeiro, são 46. Em Estados com menos habitantes, mas dimensões territoriais imensas, como o Amazonas, há sete – e somente na capital, como ocorre na maioria dos outros Estados fora do eixo Sul-Sudeste. Para chegar a Manaus, onde fica a sede da DPU amazonense, pessoas das comunidades ribeirinhas viajam até cinco dias de barco para conseguir assessoria jurídica gratuita. A imensa maioria das subseções da Justiça Federal no país não tem uma unidade da DPU. Os raros atendimentos itinerantes realizados mostram que, além da necessidade de melhorar as condições das defensorias nas grandes cidades, é urgente levá-las ao interior. Vice-presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos, lotado no Rio de Janeiro, o advogado Thales Treiger participou de um atendimento itinerante na região do Alto Purus, no Acre. O que seria o atendimento de apenas uma tarde transformou- se num trabalho de três dias. “Fizemos de tudo: de conciliação em briga

de vizinhos a uma audiência com índios por uma questão territorial’: afirma.

 

A falta de estrutura das DPUs deixa algumas áreas dos direitos dos cidadãos descobertas. Com as imensas demandas nas áreas cível (que envolve remédios e equipamentos), previdenciária e criminal, perdem as questões trabalhistas ligadas à União. Quem enfrenta entraves com algum órgão

federal e não tem dinheiro para pagar um advogado fica sem defesa. É o caso da funcionária do Ministério da Saúde Rosana Pereira, de 47 anos. Ela procurou a DPU no centro do Rio munida

de documentos e comprovantes de renda, para tentar conseguir gratificações que deixou de receber durante dez anos. Em vão. “Não vou ter dinheiro para pagar um advogado particular. Não sei o que fazer.”

 

A assistência jurídica contra o Estado é um elemento básico da cidadania. “Não existe democracia se os cidadãos não têm acesso à defsa contra a União’: diz o jurista e professor de Direito Walter Maierovitch, ex-desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. ”A situação das DPUs comunica ao povo que não existe o princípio da igualdade no Brasil. O Estado não pode ter o monopólio da Justiça.” Vinculada ao Ministério da Justiça, a DPU depende do Executivo e da União, para funcionar – e para combater aqueles que a gerenciam. Por isso, muitos juristas afirmam que, para haver verdadeiro equilíbrio, as defensorias deveriam ser autônomas.

 

Caminho para isso já existe. Desde 2007, está no Congresso um Projeto de Emenda Constitucional que prevê autonomia administrativa, orçamentária e financeira para as DPUs. Hoje, uma DPU depende do Executivo para aprovar orçamento, realizar concurso ou requisitar novos grampeadores.

Segundo o projeto, as DPUs poderão enviar suas propostas e projetos diretamente ao Congresso Nacional, sem passar pelo Executivo. As demandas seriam aprovadas pelo Legislativo, que

não é o alvo das ações da defensoria, Se não garantir um salto de qualidade imediato, pelo menos as resoluções não estariam mais nas mãos da União. Em 2004, com a reforma do Judiciário, as

defensorias estaduais ganharam essa autonomia. As defensorias da União, no entanto, ficaram onde estavam. O projeto da autonomia foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, na

Câmara e no Senado, em 2011. Falta agora ser aprovado em plenário nas duas Casas. Mas parou de novo.

 

As defensorias públicas – da União e dos Estados – foram criadas pela Constituição de 1988 (o acesso à Justiça é um direito de pobres e ricos, diz o texto). Só em 1994, seis anos depois, uma lei

regulamentou essa criação. A garantia de assistência jurídica aos mais necessitados é, portanto, uma realidade nova no Brasil. Antes disso, existia apenas a iniciativa de Ordens de Advogados e

de universidades, que voluntariamente ofereciam seus serviços a quem não podia pagar por eles. Em 2011, a Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovou uma resolução que recomenda

uma Defensoria Pública autônoma e independente. O Brasil referendou o documento. Por enquanto, tudo não passa de papel e tinta. “Não existe Justiça sem defensoria pública forte’: diz Pedro Abramovay, jurista e professor de Direito da Fundação Getulio Vargas.

 

Se a defensoria consegue obter algumas vitórias, elas se devem ao esforço de seus advogados, que superam obstáculos

para fazer seu trabalho. Não é fácil atender uma população carente e absorvida por suas questões. A gaúcha Letícia ‘Iorrano,de 37 anos, atua na área criminal da DPU do Rio de Janeiro. “Uma vez na

DPU, não dá mais para sair. Vira uma missão’: afirma. De familiares e conhecidos, ela costuma ouvir uma pergunta: como ela consegue “defender bandido”? “Vejo nisso um preconceito enorme. Se

estivesse numa banca particular, trabalhando por criminosos ricos, será que fariam essa pergunta?”

 

 

Quem passa no concurso de defensor público tem cacife para trabalhar em qualquer outra área pública. O salário já foi pior. Hoje é de R$ 12 mil, abaixo de outras carreiras. Ainda assim é uma

boa remuneração. A falta de boas condições de trabalho incentiva a rotatividade, embora uma parcela cada vez maior se ocupe da responsabilidade social. A mato-grossense Cecília Lessa da Rocha, de 32 anos, começou sua carreira na Advocacia-Geral da União, em Brasília, defendendo os interesses do governo federal. Hoje, é a subchefe da DPU do Rio de Janeiro. “Queria um trabalho que fizesse diferença real e direta na vida das pessoas. Quando me transferi, minha família brincava que agora, enfim, eu estava do lado bom da força”.

 

ENTREVISTA ALFREDO PASTOR

 

“A chave está na competitividade”

o economista espanhol diz que a crise em seu país não será resolvida só com pacotes de austeridade. É necessário adotar medidas para diminuir o custo das empresas

 

O apresentado na semana passada pelo primeiro-ministro, Mariano Rajoy. Sob pressão dos credores europeus, Rajoy aumentou impostos e cortou benefícios sociais, para somar uma economia estimada em € 65 bilhões. É o maior ajuste aprovado por um regime democrático na história da Espanha, assolada pela recessão e por uma taxa de desemprego de 25%. Em troca, o governo fez jus a um pacote de ajuda que pode chegar a € 100bilhões. Em entrevista a ÉPOCA, o economista Alfredo Pastor, professor da Universidade de Navarra, afirma que as empresas espanholas têm de

ser mais competitivas para superar a crise e fazer com que as medidas de aperto financeiro do governo tenham resultado.

 

ÉPOCA – O primeiro – ministro da Espanha. Mariano Rajoy.prometeu em sua campanha que não aumentaria impostos nem cortaria benefícios do funcionalismo público. Tudo isso foi desfeito em seu

último pacote de austeridade. Ele foi obrigado pelas circunstancias a mudar de ide la ou sabia que não podia cumprir sua promessa? Alfredo Pastor- Ninguém gostaria de tomar as decisões que

Rajoy tomou. Surpreende-me um pouco que Rajoy não soubesse, há um ano, que precisaria tomá-las. Especialmente o aumento do IVA (Imposto sobre Valor Agregado, semelhante ao ICMS do Brasil). Quando ele estava na oposição, dizia que não subiria nunca esse imposto. De fora,

via-se isso como algo quase inevitável. Desde o começo, essa era uma das condições estabelecidas pelos credores para a ajuda ao setor bancário.

 

ÉPOCA – Mas Rajoy foi desonesto com seu eleitorado ou lhe faltou mais conhecimento da situação econômica? Pastor- Fico mais com o segundo cenário. O Partido Popular (conservador, a que Rajoy pertence) não estava consciente da gravidade da crise que havia adiante. Acreditava que a situação se acalmasse com sua simples chegada ao poder.

 

ÉPOCA – O senhor afirma que a crise na Espanha não se deve apenas à divida. mas à perda de competitividade. Como esses problemas se relacionam? Pastor- Eles se conectam porque a perda de competitividade está na origem da dívida externa espanhola, do deficit em conta-corrente. Isso começou com a bolha imobiliária criada no início dos anos 2000,que elevou demais os preços dos bens não exportáveis. Esse aumento acabou contaminando os bens exportáveis, na forma de uma elevação dos salários e das margens de lucro empresarial. Os preços na Espanha se tornaram

sistematicamente mais altos que a média européia. O IPC (Índice de Preços ao Consumidor) espanhol subiu 56% entre 2000 e 2010. Na Zona do Euro, subiu 26%. Na Alemanha, só 9%.

 

ÉPOCA – Há várias empresas espanholas entre os principais investidores da economia brasileira. como Telefónica. Santander. OHL.lberdrola e Repsol. Essas empresas não são um exemplo de

como atuar globalmente? Pastor – A economia espanhola perdeu competitividade, mas nosso setor exportador vai muito bem, ainda que seja pequeno. As empresas exportadoras da Espanha estão crescendo Nossa única saída neste momento é a exportação. Não se pode esperar muita coisa do consumo interno nem dos investimentos. Mas esse processo ainda caminha muito lentamente. Ganharemos mais competitividade à medida que o resto das companhias se comporte como os exemplos citados em sua pergunta.

 

ÉPOCA – De que maneira as empresas espanholas podem se tornar mais competitivas?

Pastor- Uma via, que já é um fato na economia espanhola, é certamente a “moderação salarial” (negociação entre patrões e sindicatos em que os trabalhadores aceitam receber aumentos

menores que a inflação por determinado período para manter seu emprego). O outro caminho é o aumento de produtividade. Nesse caso, as empresas espanholas estão se ajustando bem, até melhor do que esperávamos. A competitividade é algo que podemos recuperar, mesmo em tempos de crise. Está nas nossas mãos, ao contrário do problema da dívida, que precisou de socorro externo.

 

ÉPOCA – O governopode ajudar de alguma forma nesse ponto? Pastor – Um governo não fixa salários nem tem nenhum poder de interferência direto sobre a produtividade. Mas a diminuição

das taxas de contribuição social e o aumento do IVA são medidas que favorecem a competitividade das empresas.

 

ÉPOCA – Num primeiro momento, apenas o Bankia, terceiro maior banco da Espanha, necessitou de ajuda para não quebrar. Agora, há um pacote europeu para sanear todo o sistema bancário, que

pode chegar ,a€ 100 bilhões (cerca de R$ 250 bilhões). O estrago era maior do que se achava?

Pastor – É necessário fazer uma distinção da banca espanhola em três grandes grupos: os que não precisam de nenhuma ajuda, os que precisam e os que simplesmente deveriam desaparecer. O Bankia foi quem mais recebeu auxílio (cerca de 20 bilhões). Se você olhar apenas para sua situação financeira, o mais correto deveria ser seu desaparecimento. Mas aí entra o problema da repercussão que o fechamento do Bankia teria sobre as outras instituições. Isso não acontecerá,

pelo menos por ora. Mas não sabemos ainda que outras condições a União Europeia imporá à Espanha em troca da ajuda aos bancos.

 

ÉPOCA – E quanto a bancos como Santander e BBVA, que têm projeção internacional? Estão no grupo dos que precisarão de ajuda? Pastor – Tudo leva a crer que Santander, BBVA,Sabadell

e Caixabank não necessitarão. Uns porque têm grande parte de seus negócios fora da Espanha, outros porque já fizeram muitos ajustes para levantar os fundos necessários, como não distribuir dividendos, diminuir contribuições sociais e realizar ampliações de capital. A fatia do sistema

bancário espanhol que funciona bem não deve nada à dos outros países europeus.

 

ÉPOCA – A Espanha convive com um desemprego em torno de 25%, e o pessimismo da população é muito grande. O que pode ser feito para atacar o problema a curto prazo? Pastor – Não há solução imediata. A reforma trabalhista está introduzindo empregos em tempo parcial. Há também programas de reciclagem profissional. Mas isso não levará a uma redução significativa do desemprego tão

rápido, como algo para este ano.

 

ÉPOCA – Mariano Rajoy se queixa da herança econômica deixada pelo antecessor, o socialista José Luis Zapatero. A crítica procede? Pastor – A bolha imobiliária surgiu antes de 2004 (ano em

que Zapatero sucedeu ao conservador José María Aznar, cujo mandato começou em 1996). O financiamento fácil vem desde o fim dos anos 1990. Seja quando estava no governo ou mesmo na oposição, a partir de 2004, o Partido Popular nunca disse nada sobre a bolha. Claro que parte dos

problemas surgiu com Zapatero, mas o PP se aproveitou disso apenas para tirar os socialistas do poder. Digamos que a responsabilidade é compartilhada.

 

ÉPOCA – Rajoy dizia que não haveria precondições para os empréstimos e a soberania espanhola seria mantida. Não foi um erro político negar o óbvio? Pastor- Sim. É algo muito simples. Os devedores não têm soberania. Se a Espanha tem de pedir dinheiro, não estamos em condições de dizer que somos soberanos. Soberanos são os credores.

 

ÉPOCA – Há uma preocupação crescente de que a Espanha siga o mesmo caminho da Grécia. Em que se aproximam as situações dos dois países? Pastor – São casos muito diferentes. A Grécia tem uma economia bem mais frágil, sem um setor exportador. E há um endividamento público muito grande (165% do PIB, em comparação aos 69% da Espanha). A Espanha tem um problema grave de dívida, mas privado. Há até algo de mal-intencionado quando se quer confundir a situação grega com a espanhola. As dificuldades sociais lá são muito maiores que aqui. É claro que, se não houver pelo menos um pouco de crescimento, a Espanha certamente corre o risco de uma fratura social, mas não estamos no mesmo ponto que os gregos.

 

ÉPOCA – O senhor falou em má intenção. A quem interessaria promover isso? Pastor- É uma combinação de pressões. Os credores de um lado, o mercado financeiro de outro, e isso acaba repercutindo na mídia. Há uma simplificação grande quando tentam explicar o que ocorre na Espanha.

 

ÉPOCA – Quais são os pontos principais que Rajoy deve atacar para haver um cenário mais favorável ao crescimento? Pastor – Ele terá de levar a cabo todas essas medidas de

austeridade que deveriam ter sido tomadas há muito tempo, quando havia crescimento. Gostem ou não, terá de fazer. O que precisa haver de novo são medidas que façam a economia crescer um pouco. A mais importante delas é voltar a haver um fluxo de crédito em todos os setores. Rajoy tem de insistir nesse ponto quanto puder. O crédito não precisa vir necessariamente de dentro da

Espanha. Os bancos estrangeiros, entre os quais aqueles que já passaram por recapitalizações, poderiam voltar a emprestar aos espanhóis.

 

ÉPOCA – Qual é a Importância do Banco Central Europeu (BCE) na recuperação da Espanha?

Pastor- O BCE é o único instrumento de ação a curto prazo, mas não pode ser permanente. A União Européia não pode sustentar injeções constantes de liquidez no BCE.

 

 

DOM EUGÊNIO DE ARAUJO SALES

 

A disciplina do pastoreio

 

A chegada de Dom Eugênio à Arquidiocese do Rio de Janeiro, em 1971, levaria um cardeal moço

a uma nova dimensão pioneira, na organização das Comunidades Eclesiais de Base ou na Campanha da Fraternidade. Ele ampliou essas iniciativas com a Pastoral do Trabalhador,

as Missões Populares e a Pastoral das Favelas. Ao assumir um comportamento nítido perante

os governos militares, exprimiu a voz das “injustiças sem voz” e, essencialmente,

a da luta contra os desaparecidos ou torturados. Isso no regime que arrancava das procissões

religiosas paulistas, a culminar no 31 de março de 1964.

 

Significativamente, enquanto administrador apostólico de Natal, foi um dos pouquíssimos bispos nas capitais a proibirem missas de apoio ao golpe. A intervenção militar devolvia ao vácuo da ditadura e de toda mediação política o embasamento remanescente da organização social. O Episcopado falaria, frente a frente, à cúpula castrense. Nas riquíssimas lideranças religiosas de então, conviviam, em opções distintas, o profetismo da denúncia de Dom Hélder Câmara e Dom Paulo Evaristo Arns e a interlocução direta e corajosa de Dom Eugênio Sales com os donos do poder. Repetiram-se

as cobranças ·das violências do regime no frente a frente com os presidentes Garrastazu Médici e Ernesto Geisel.

 

O cardeal refugava as condenações fáceis de “comunismo” ao compulsar os dossiês da prisão e da tortura com a convicção do pastor. Deste repto resultaria a Comissão Bipartite, com o concurso de Dom Aloísio e Dom Ivo Lorscheiter, presidentes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). E com a presença permanente de Dom Eugênio e Dom Avelar Brandão, junto a meu trabalho, na Comissão Justiça e Paz. A frente da Comissão dos Militares, chefiada pelo general Muricy, ao lado do general Paulo Couto e do coronel Carlos Pasquale, e, como representante leigo, o professor Tarcísio Padilha. Muitos foram às reuniões mensais, entre a Casa da Gávea e os quartéis da Ilha das Cobras, em que se avolumava o inventário das denúncias de tortura e desaparição dos detidos, independentemente da crença religiosa. A voz de Dom Eugênio muitas vezes desarmava os impasses e resolvia as prisões. Mantendo linha telefônica direta com o tenente-coronel da Bipartite, o cardeal do Rio podia antecipar colisões continuadas entre a Igreja e o Estado numa rede nacional,

impedindo múltiplas detenções de ativistas leigos e clérigos.

 

A volta ao estado de direito coincidiria com o advento de João Paulo 11em busca de um novo assento social da Igreja pós-Vaticano 11,após a mensagem de Paulo VI, e o recado de um humanismo prospectivo. Esse profetismo levaria ao desabrochar da Teologia da Libertação, pela

ratificação da Igreja em seu corpus da fé, no anúncio da hierarquia. Esse é o pano de fundo da igreja espetáculo, do pontífice sem fronteiras e da comunhão solidária e imediata. Ecoava-a Dom Eugênio, voltado à espontaneidade religiosa popular, porém dentro de uma visão assistencial, sem opções ditas “preferenciais” ao “povo de Deus”. Definia-se um novo perfil conservador no cuidado de evitar a presença da Igreja numa nova luta de classes. Confidente do papa no país, consagra-se o vulto de Dom Eugênio, na apoteose das duas vindas de João Paulo 11ao Brasil. A entrada do novo século,

definirão Dom Hélder e Dom Eugênio os caminhos da modernidade. O anúncio do cardeal do Rio não foi p de uma estrita confiança no triunfalismo transcendente do pontificado de então, mas o do diário recomeço, tantas vezes heróico e secreto, da disciplina de seu pastoreio.

 

Acrobacias Com H

 

Pela primeira vez, o Brasil leva à Olimpíada mais de um atleta para as disputas da ginástica artística masculina. Eles até sonham em trazer uma medalha

 

A equipe masculina de ginástica artística do Brasil é pequena. Ao desembarcar na semana passada

na cidade de Ghent, na Bélgica, onde faz seus últimos treinos antes da Olimpíada de Londres, seus três integrantes não chamavam a atenção. Pois deveriam. Se um é pouco e dois é bom, três é um marco histórico para os ginastas brasileiros. Será a primeira vez que o Brasil levará mais de um ginasta homem para os Jogos Olímpicos. Não apenas isso: dois deles são candidatos a medalha. Num momento em que a equipe feminina, com cinco atletas (uma a menos que em Pequim 2008), carece de estrelas em ascensão, os homens são a maior esperança para que o Brasil possa finalmente ocupar o pódio da ginástica artística numa Olimpíada.

 

Os dois primeiros nomes do inédito trio foram garantidos em outubro, no Mundial do Japão. Diego Hypolito conquistou o bronze no solo, e Arthur Zanetti obteve a prata nas argolas. Sérgio Sasaki, o terceiro, foi indicado na semana passada pela comissão técnica brasileira, depois de o Brasil conquistar o direito a mais uma vaga no Pré-Olímpico. Serão três participações bem diferentes. Para

Sasaki, de 20 anos, os Jogos servirão como preparação para a Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016. Promessa da gi nástica artística brasileira e considerado por Hypolito “o ginasta mais completo

que o Brasil já teve’: Sasaki disputará o individual geral sem obrigação de trazer uma medalha para casa logo em sua primeira Olimpíada. A pressão maior ficará sobre o próprio Hypolito, único ginasta masculino do Brasil presente em Pequim. Nos Jogos chineses, ele caiu na final do solo, prova em que era favorito, e ficou em sexto lugar. Aos 26 anos, idade considerada avançada para um ginasta,

Hypolito poderá disputar em Londres sua última Olimpíada.

 

Entre o novato Sasaki e o experiente Hypolito está Arthur Zanetti. Aos 22 anos e também estreante em Jogos Olímpicos, ele chegará a Londres como um dos favoritos ao ouro nas argolas.

Atual vice-campeão mundial no aparelho, Zanetti, atleta de São Caetano do Sul, São Paulo, soma três ouros e uma prata em etapas da Copa do Mundo de 2012 e venceu o Pré-Olímpico de Londres,

no começo do ano. “Tento evitar ao máximo pensar em pressão e não me vejo obrigado a subir no pódio”, afirma. Ele coloca o chinês Chen Yibing, atual campeão olímpico, e o.grego Eleftherios

Petrounias como seus principais rivais. Petrounias foi derrotado por Zanetti na etapa do Mundial em junho, na mesma Ghent escolhida para a preparação atual. Chen está com uma lesão no ombro

direito, vital para a competição de argolas, e seu desempenho continua uma incógnita. “Não dá para saber como está, porque ele não participou das últimas etapas do Mundial”, diz Zanetti.

 

O Pan-Americano de Guadalajara, no ano passado, serviu como termômetro da boa fase dos ginastas brasileiros diante das mulheres. Das seis medalhas conquistadas, os homens foram

responsáveis por três de ouro (duas de Hypolito e uma da equipe masculina) e uma de prata (Zanetti). As outras duas, de bronze, foram de Daniele Hypolito, irmã de Diego. O ouro da equipe

masculina – Diego Hypolito, Zanetti e Sasaki estavam lá – foi um feito inédito. No dia anterior, a equipe feminina sofrera com quedas em várias provas e ficou longe do pódio. A ausência de Jade

Barbosa, com uma lesão no tornozelo esquerdo, pesou contra o desempenho das meninas.

 

Jade também não estará em Londres, por ter sido cortada pela Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) no começo do mês, depois de não comparecer à apresentação no Rio. Jade se recusara a

assinar um contrato em que se comprometia a usar os uniformes da entidade, com seus devidos patrocinadores, em função de patrocínios pessoais. Chegou a mudar de ideia dias depois, assinou

o documento, mas era tarde demais. Laís Souza, que fez seis cirurgias desde a Olimpíada de Pequim, disputará duas vagas com Daiane dos Santos, Ethiene Franco e Harumi de Freitas, ao final do atual período de adaptação em Londres. Daniele Hypolito, Bruna Leal e Adrian Gomes estão garantidas na lista olímpica e aparecem como maiores forças da conturbada equipe feminina. A torcida brasileira é para que as meninas consigam superar as dificuldades para obter

boas colocações. Os homens, desta vez, podem sonhar mais alto.

 

A TURMA DO “EU ME ACHO”

 

A  educação moderna exagerou no culto ä autoestima – e produziu adultos que se comportam como crianças. Como enfrentar esse problema

 

Os alunos do 3º ano de uma das melhores escolas de ensino médio dos Estados Unidos, a Wellesley High School, em Massachusetts, estavam reunidos, numa tarde ensolarada no mês passado, para o momento mais especial de sua vida escolar, a formatura. Com seus chapéus e becas coloridos e pais orgulhosos na platéia, todos se preparavam para ouvir o discurso do professor de inglês David Mc Cullough Jr, Esperavam, como sempre nessas ocasiões, uma ode a seus feitos acadêmicos, esportivos e sociais. O que ouviram do professor, porém, pode ser resumido em quatro palavras: vocês não são especiais. Elas foram repetidas nove vezes em 13 minutos. ”Ao contrário do que seus troféus de futebol e seus boletins sugerem, vocês não são especiais”, disse McCullough logo no

começo. ”Adultos ocupados mimam vocês, os beijam, os confortam, os ensinam, os treinam, os ouvem, os aconselham, os encorajam, os consolam e os encorajam de novo. (…) Assistimos a todos os seus jogos, seus recitais, suas feiras de ciências. Sorrimos quando vocês entram na sala e nos deliciamos a cada tweet seus. Mas não tenham a ideia errada de que vocês são especiais. Porque vocês não são.”

 

O que aconteceu nos dias seguintes deixou McCullough atônito. Ao chegar para trabalhar na segunda-feira, notou que havia o dobro da quantidade de e-mails que costumava receber em sua

caixa postal. Paravam na rua para cumprimentá-lo. Seu telefone não parava de tocar. Dezenas de repórteres de jornais, TV e rádio queriam entrevistá-lo. Todos queriam saber mais sobre o professor que teve a coragem de esclarecer que seus alunos não eram o centro do universo. Sem querer, ele

tocara num tema que a sociedade estava louca para discutir – mas não tinha coragem. Menos de uma semana depois, McCullough fez a primeira aparição na TV. Teve de explicar que não

menosprezava seus jovens alunos, mas julgava necessário alertá-los. “Em 26 anos ensinando adolescentes, pude ver como eles crescem cercados por adultos que os tratam como preciosidades’:

disse ele a ÉPOCA. “Mas, para se dar bem daqui para a frente , eles precisam saber que agora estão todos na mesma linha, que nenhum é mais importante que o outro.”

 

A reação ao discurso do professor McCullough pode parecer apenas mais um desses fenômenos de histeria americanos. Mas a verdade é que ele tocou numa questão que incomoda pais, educadores

e empresas no mundo inteiro – a existência de adolescentes e jovens adultos que têm uma percepção totalmente irrealista de si mesmos e de seus talentos. Esses jovens cresceram ouvindo

de seus pais e professores que tudo o que faziam era especial e desenvolveram uma auto estima tão exagerada que não conseguem lidar com as frustrações do mundo real. “Muitos pais modernos expressam amor por seus filhos tratando- os como se eles fossem da realeza’: afirma Keith Campbell, psicólogo da Universidade da Geórgia e coautor do livro Narcisism epidemic (Epidemia narcisista), de 2009, sem tradução para o português. “Eles precisam entender que seus filhos são especiais para eles, não para o resto do mundo.”

 

Em português, inglês ou chinês, esses filhos incensados desde o berço formam a turma do “eu me acho’: Porque se acham mesmo. Eles se acham os melhores alunos (se tiram uma nota ruim, é o professor que não os entende). Eles se acham os mais competentes no trabalho (se recebem críticas, é porque o chefe tem inveja do frescor de seu talento). Eles se acham merecedores de

constantes elogios e rápido reconhecimento (se não são promovidos em pouco tempo, a empresa foi injusta em não reconhecer seu valor). Você conhece alguém assim em seu trabalho ou em

sua turma de amigos? Boa parte deles, no Brasil e no resto do mundo, foi bem-educada, teve acesso aos melhores colégios, fala outras línguas e, claro, ligada em tecnologia e competente em

seu uso. São bons, é fato. Mas se acham mais do que ótimos.

 

“Esse grupo tem dificuldade em aceitar críticas e tarefas que não consideram a sua altura”, diz Daniela do Lago, especialista em comportamento no trabalho e professora da Fundação Getulio Vargas. Daniela conta que, recentemente, uma das empresas para a qual dá consultoria selecionava candidatos ao cargo de supervisor. A gerente do departamento de marketing fazia as entrevistas, e uma de suas estagiárias a procurou, se candidatando ao cargo.A gerente disse que gostara da iniciativa ousada, mas respondeu que a moça ainda não estava madura nem preparada para assumir a função. Ela fora contratada havia apenas dois meses. Mesmo assim não gostou da resposta.

“Achou que sofria perseguição”,diz Daniela. Dentro das empresas brasileiras, esse tipo de comportamento já foi identificado como a principal causa da volatilidade da mão de obra jovem.A Page Personnel, uma das maiores empresas de recrutamento de jovens em início de

carreira, fez um levantamento entre brasileiros de até 30 anos sobre suas expectativas de promoção. Quase 80% responderam que pretendem mudar de empresa se não forem promovidos.

 

A expectativa exagerada dos jovens foi detectada no livro Generation me (Geração eu), escrito em 2006 por Jean Twenge, professora de psicelogia da Universidade Estadual de San Diego.

No trabalho seguinte, em parceria com Campbell, ela vasculhou ‘Os arquivos de uma pesquisa anual feita desde os anos 1960 sobre o perfil dos calouros nas universidades. Descobriu que os obrialunos

dos anos 2000 tinham traços narcisistas muito mais acentuados que os jovens das três décadas anteriores.Em 2006, dois terços deles pontuaram acima da média obtida entre 1979 e 1985.Um aumento de 30%. “O narcisismo pode levar ao excesso de confiança e a uma sensação fantasiosa sobre seus próprios direitos”, diz Campbell.

 

Os maiores especialistas no assunto concordam que a educação que esses jovens receberam na infância é responsável por seu ego inflado e hipersensível. E eles sabem disso. Uma pesquisa da

revista Time e da rede de TV CNN mostrou que dois terços dos pais americanos acreditam que mimaram demais sua prole. SallyKoslow,uma jornalista aposentada, chegou a essa conclusão depois

que seu filho, que passara quatro anos estudando fora de casa e outros dois procurando emprego, voltou a morar com ela.”Fizemos um superinvestimento em sua educação e acompanhamos

cada passo para garantir que ele tivesse sua independência”,diz ela.”Ao ver meu filho de quase 30 anos andando de cueca pela sala, percebi que deveria tê-lo deixado se virar sozinho”.

 

Que criação é essa que, mesmo com a garantia da melhor educação e sem falta de atenção dos pais, produz legiões de narcisistas com dificuldade de adaptação? Os estilos de criação modernos

têm em comum duas características. A primeira é o esforço incansável dos pais para garantir o sucesso futuro de sua prole – e esse sucesso depende, mais do que nunca, de entrar numa boa universidade e seguir uma carreira sólida. Nos Estados Unidos, a tentativa de empacotar

as crianças para esse modelo de vida começa desde cedo. Escolas infantis selecionam

bebês de 2 anos por meio de testes. Isso acontece no Brasil também. No colégio paulista Vértice, um

dos mais bem classificados no ranking do Enem, há fila para uma vaga no jardim da infância.

 

O segundo pilar da criação moderna está na forma que os pais encontraram para estimular

seus filhos e mantê-los no caminho do sucesso: alimentando sua autoestima. É uma atitude baseada

no Movimento da Autoestima, criado a partir das ideias do psicoterapeuta canadense Nathaniel Branden, hoje com 82 anos. Em 1969, ele lançou um livro pregando que a auto estima é uma

necessidade humana. Não atendida,ela poderia levar a depressão, ansiedade e dificuldades de relacionamento. Para Branden, a chave para o sucesso tanto nas relações pessoais quanto

profissionais é nutrir as pessoas com o máximo possível de auto estima desde crianças. Tal tarefa, diz ele, cabe sobretudo a pais e professores. Foi uma mudança radical na maneira de olhar para

a questão. Até a década de 1970,os pais não se preocupavam em estimular a auto estima das crianças. Temiam mimá- las. O movimento de Branden chegou ao auge nos Estados Unidos em

1986, quando o então governador da Califórnia, George Deukmejian, assinou uma lei criando um grupo de estudos de autoestima. Os pesquisadores deveriam descobrir como as escolas e

as famílias poderiam estimulá-la.

 

Os pais reuniram esses dois elementos – o desejo de ver o filho se dar bem na vida e a ideia de que é preciso estimular a auto estima – e fizeram uma tremenda confusão. Na ânsia de criar

adultos competentes e livres de traumas, passaram a evitar ao máximo criticá-los. O elogio virou obrigação e fonte de trapalhadas. Para fazer com que as crianças se sintam bem com elas

mesmas, muitos pais elogiam seus filhos até quando não é necessário. O resultado é que eles começam a acreditar que são bons em tudo e criam uma imagem triunfante e distorcida de si mesmos. Como distinguir o elogio bom do ruim? O exemplo mais comum de elogio errado, dizem os

psicólogos, é aquele que premia tarefas banais. Se a criança sabe amarrar o tênis, não é necessário

parabenizá-la por isso todo dia. Se o adolescente sabe que é sua obrigação diária ajudar a tirar

a mesa, diga apenas obrigado. Não é preciso exaltar sua habilidade em dobrar a toalha. Os elogios

mais inadequados são feitos quando não há nada a elogiar. Se o time de futebol do filho perde de goleada – e o desempenho dele ajudou na derrota-, não adianta dizer: “Você jogou bem, o

que atrapalhou foi o gramado ruim”. Isso não é elogio. É mentira.

 

Para piorar, um grupo de psicólogos afirma .agora que a premissa fundamental do movimento da auto estima estava errada. “Há poucas e fracas evidências científicas que mostram que alta autoestima leva ao sucesso escolar ou profissional”, diz Roy Baumeister, professor de psicologia da Universidade Estadual da Flórida. Ele é responsável pela mais extensa e detalhada revisão dos estudos feitos sobre o tema desde a década de 1970.Descobriu que a autoestima alta é provocada pelo sucesso – não é causa dele. Primeiro vêm a nota boa e a promoção no trabalho, depois’ a sensação de se sentir bem – não o contrário. “Na verdade, a autoestima elevada pode ser muitas vezes contraproducente. Ela produz indivíduos que exageram seus feitos e realizações.”

Outra de suas conclusões é que o elogio mal aplicado pode ser negativo. “Quando os elogios aos estudantes são gratuitos, tiram o estímulo para que os alunos trabalhem duro”, afirma.

 

NARCISISTAS SEM RUMO

 

Com uma visão distorcida de suas qualidades, com dificuldade para lidar com as críticas e aprender com seus erros, muito jovens narcisistas não conseguem se acertar em nenhuma carreira.

Outros vão parar na terapia. Esses jovens acham que podem muito. Quando chegam à vida adulta, descobrem que simplesmente não dão conta da própria vida. Ou sentem uma insatisfação

constante por achar que não há mais nada a conquistar. Eles são estatisticamente mais propensos a desenvolver pânico e depressão. Também são menos produtivos socialmente.

 

Em terapia desde os 15 anos, Priscila Pazzetto tem hoje 25 e não hesita em dizer que foi e ainda é mimada. “Uma vez pedi para minha mãe me pôr de castigo, porque não sabia como era”, afirma. Os pais se referem a ela como “nossa taça de champanhe”, a caçula de três irmãos que veio brindar a felicidade da família num momento em que seu pai lutava contra um câncer. “Nasci no Ano-Novo. Quando assistia às chuvas de fogos na TV, meus pais diziam que aquilo tudo era para mim,

para comemorar meu aniversário”, diz Priscila. Quando cresceu, nada disso a ajudou a terminar o que começava. Tentou inglês, teatro, tênis, caratê, futebol, jiu-jítsu e natação. Interrompeu

até o hipismo, pelo qual era apaixonada. Estudou em sete colégios particulares de São Paulo e, com frequência, seu pai precisou interferir para que ela passasse de ano. Passou em três vestibulares,

mas não concluiu nenhum curso superior. “Simplesmente não me sinto motivada a ir até o fim”, afirma. Ainda morando com os pais, Priscila acaba de fazer um curso técnico de maquiagem e diz que arrumou emprego na butique de uma amiga. Tenta de novo começar.

 

Claro, nem todos da turma do “eu me acho” estão sem rumo. Muitos são empreendedores bem-sucedidos, e seu estilo de vida – independente, inquieto, individualista – tem defensores ferozes.

Um deles é a escritora americana Penelope Trunk, uma ex-jogadora de vôlei de praia que se tornou a maior propagandista da geração nascida na década de 1980, chamada nos Estados Unidos

de geração Y.”Qual o problema em se sentir o máximo?”, diz ela. “Se você se sente incrível, tem mais chances de fazer coisas incríveis, sem ligar para pessoas que recomendam o contrário:’ Quando os integrantes da turma do “eu me acho” conseguem superar o fato de não ser perfeitos e se põem a usar com dedicação a excelente bagagem técnica e cultural que receberam, coisas muito

boas podem acontecer.

 

Aos 20 anos, no início de sua carreira, o paulistano Roberto Meirelles, hoje com 26, conseguiu seu primeiro estágio. Seu sonho era se tornar diretor de arte. Morava com a mãe numa casa confortável, tinha seu próprio carro e não sofria nenhuma pressão para sair de casa. Resolveu trabalhar até de

graça. Aos 24 anos, foi promovido e assumiu o cargo que almejava. Chamou os amigos e deu uma festa. Seus pais ficaram orgulhosos. Sete meses depois, assinou sua carta de demissão.

Não era aquilo que ele realmente queria. Seus antigos colegas de trabalho riram ao ouvir que ele estava deixando a agência para “fazer algo em que acreditava”. Seus pais não compreenderam

o que ele queria dizer com “curadoria de conhecimento”, expressão que usou para definir seu empreendimento. Apesar da descrença geral, ele foi em frente e criou com dois amigos uma

empresa que seleciona informação e organiza estudos sobre temas diversos, para vendê-los no mercado corporativo e para pessoas físicas. Com dois anos recém-completados, a Inesplorato conseguiu faturamento de R$ 1,4 milhão. “Minha maior conquista foi conseguir ganhar dinheiro com uma ideia própria. Eu amo isso”,diz Meirelles.

 

Uma das conclusões a que o psicólogo Baumeister chegou na revisão dos estudos sobre autoestima pode servir de esperança para os jovens da geração “eu me acho” que ainda estão perdidos:

a autoestima produz indivíduos capazes de fazer grandes reviravoltas em sua vida. Justamente poráer um ego exaltado, eles têm a ferramenta para ser mais persistentes depois de um fracasso.

Em seu último livro, Força de vontade (Editora Lafonte), Baumeister dá outra dica de como conduzir a vida: ter controle dos próprios impulsos é mais importante que a autoestima como fator de sucesso. “A força de vontade é um dos ingredientes que nos ajudam a ter autocontrole. É a energia que usamos para mudar a nós mesmos, o nosso comportamento, e tomar decisões”,disse ele a ÉPOCA no ano passado.

 

Também há esperança para os pais que se pegam diariamente na dúvida sobre como lidar com suas crianças. Muitos deles conseguem criar seus filhos equilibrando limite e afeto e ensinando

a lidar com frustrações sem ferir a auto estima (leia os quadros nas páginas 62 e 64). Na casa de Maria Soledad Más, de 49 anos, e Helder, de 35, pais de Natália, de 9 anos, e Mariana, de 11,

os direitos estão ligados ao merecimento e a responsabilidades. “As meninas aprenderam a lidar com erros e frustrações desse jeito”, diz Helder. Para Mariana, uma frustração é não ter celular,

já que a maioria das amiguinhas tem seu próprio aparelho. “Explico a ela que ter celular envolve responsabilidade e que ela é muito nova”, diz a mãe. “Claro que esse assunto sempre

volta à tona, mas não incomoda. Ela acata bem nossas decisões.”

 

Esses modelos de criação domésticos são chamados pelos psicólogos de “estilo parental”. Não é uma atitude isolada ou outra. É o clima emocionei criado na família graças ao conjunto de

ações dos pais para disciplinar e educar os filhos. Eles começaram a ser estudados em 1966 pela psicóloga Diana Baumrind, pesquisadora da Universidade da Califórnia em Berkeley. De acordo com sua observação, ela dividiu os pais em três tipos: os autoritários, os permissivos e aqueles que têm autoridade, os competentes. O melhor modelo detectado por psicólogos, claro, são os pais competentes. Eles são exigentes – sabem exercer o papel de pai ao impor limites e regras que os filhos devem respeitar -, mas, ao mesmo tempo, são flexíveis para escutar as demandas das

crianças e ceder, se julgarem necessário. A criança pode questionar por que não pode brincar antes de fazer o dever de casa, e eles podem topar que ela faça como queira, contanto que o dever seja

feito em algum momento. Mas jamais admitirão que a criança não cumpra com sua obrigação. Ao dar limites, podem ajudar o filho a aprender a escolher e a administrar seu tempo. Os filhos de pais competentes costumam ser muito responsáveis, seguros e maduros. Têm altos índices de competência psicológica e baixos índices de disfunções sociais e comportamentais.

 

Os piores resultados vêm da criação de pais negligentes. Eles não são exigentes, não impõem limites e nem estão abertos a ouvir as demandas dos filhos. Segundo pesquisas brasileiras – com amostras pequenas, que não devem ser tomadas como definitivas -, esse é o estilo parental que predomina no país nos últimos anos. Quando se fala em estilo negligente de criação, isso não

quer dizer que a criança está abandonada e não receba o suficiente para suprir suas necessidades materiais e de afeto. O problema é mais sutil. Com medo de parecer repressores, esses pais

hesitam em impor limites. “É uma interpretação errônea dos modelos educacionais propostos a partir da década de 1970. Eles pregavam que a criança não deveria ser cerceada para que pudesse

manifestar todo seu potencial”, diz Claudete Bonatto Reichert, professora do Departamento de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil. “Provavelmente, a culpa que os pais sentem

por trabalhar fora leva a isso.”

 

Se parece difícil implantar em sua casa o modelo dos pais com autoridade, ainda há outra esperança. Nem todos concordam que os pais sejam totalmente responsáveis pela formação da personalidade dos filhos. A psicóloga britânica Judith Harris, de 74 anos, ficou famosa por discordar do tamanho da influência dos pais na criação dos filhos. Para ela, se os filhos lembram em algo

os pais, não é graças à educação, mas à genética. “Os pais assumem que ensinaram a seus filhos comportamentos desejáveis. Na verdade, foram seus genes”, afirma. O resto, diz Iudith, ficará

a cargo dos amigos, a quem as crianças se comparam. É por isso que ela acha inútil tentar dar aos filhos uma criação diferente da turma do “eu me acho”. “Houve uma mudança enorme na cultura”,

afirma. “As crianças vão vistas como infinitamente preciosas. Recebem elogios demais não só em casa, mas em qualquer lugar aonde vão. O modelo de criação reflete a cultura”.

 

ENTREVISTA MICHAEL SANDEL

 

O professor de filosofia em Harvard diz que os princípios e a moral são bem-vindos ao debate

público – mesmo que tenham origem na fé

SOCIEDADE BRASILEIRA SE ACOMODOU PERIGOSAMENTE AUMA IDEIA.QUEM NÃO PODE PAGAR um colégio particular não tem como garantir aos filhos educação de qualidade. Convivemos com situações variadas em que o dinheiro manda: com ele, é possível eleger políticos, passar à frente da fila em parques de diversões e até adquirir o direito de emitir poluentes no ar comprando créditos de carbono. O fenômeno não é só brasileiro. Em diversos países, ricos e pobres, experimentam-se os limites do poder do dinheiro para que caçadores possam caçar, criança sejam incentivadas a ler mais e pacientes consigam atendimento médico decente. Um dos filósofos mais populares do mundo, o americano Michael Sandel, acha que estamos indo rápido demais.

 

“Quero provocar agora o debate que deveríamos ter tido, e não tivemos, nas últimas décadas: onde deve e onde não deve valer a lei de mercado”, afirma Sandel, professor na Universidade Harvard. Ele acha que usar os mecanismos de mercado em aspectos variados da vida é um exagero dos

economistas. Ele se opõe a pesquisadores como o ganhador do Nobel de Economia Gary Becker, maior estrela de uma corrente de pensamento que inclui, entre outros, os brasileiros Carlos Eduardo Gonçalves e Mauro Rodrigues, autores de Sob a lupa do economista.

 

Sandel, um filósofo de fala pausada, virou celebridade por causa da repercussão de seu curso “Justiça”, à disposição na internet. Em seu livro mais recente, O que o dinheiro não compra (Editora Civilização Brasileira), Sandel defende um resgate dos princípios e das convicções morais diante da

lógica de mercado, em contraponto aos que pregam soluções técnicas e ênfase apenas nos resultados. Nessa defesa, faz propostas polêmicas, como acolher no debate público as convicções religiosas. Sandel estará no Brasil em agosto, a convite da consultoria Amana Key,para apresentar palestras em Fortaleza, São Paulo e Brasília.

 

ÉPOCA – O cidadão comum precisa fazer escolhas sobre questões cada vez mais complicadas, relacionadas a economia, meio ambiente, saúde pública, tecnologia. A filosofia pode nos aJudar?

MlchaelSandel – Sim, potencialmente. A filosofia pode contribuir com a cidadania da seguinte forma: ser um bom cidadão é mais do que votar no dia da eleição. O cidadão deve se manter informado sobre as questões públicas, debater com outros cidadãos sobre o bem comum, ajudá-los a formar as

decisões deles. E o único jeito de deliberar sobre o bem da coletividade é encontrar, logo abaixo da superfície de nossas discordâncias políticas, os princípios importantes que temos em comum – justiça, equidade, liberdade, democracia. Temos de discutir quão diferentes são nossas concepções de justiça e liberdade, e essas questões são filosóficas. Lento promover a ideia da filosofia pública, excitante, desafiadora e acessível a todos os cidadãos.

 

ÉPOCA – O senhor vem tratando dessas questões complicadas em suas aulas, e com elas consegue empolgar alunos Jovens. O que o senhor aprendeu, como professor, nesses anos em que ministra o

curso de filosofia política? Sandel- Uma das mudanças mais dramáticas ao longo da

história do curso foi que, no início, ele era ministrado na universidade, para pessoas que se reuniam num anfiteatro. Nos últimos anos, as aulas completas foram divulgadas pela internet e pela televisão, e o curso se tornou um fenômeno global. O resultado é atordoante, além de qualquer expectativa

que eu tivesse. O que aprendi, ao interagir com pessoas de culturas e origens muito diferentes, foi tratar o mesmo tópico de muitas perspectivas distintas. Em agosto, vou ao Brasil e quero saber as visões e as opiniões das pessoas aí sobre a justiça, a liberdade e o bem comum. Outra mudança

que fizemos ao longo dos anos: os filósofos que estudamos continuam basicamente os mesmos desde o início do curso, mas os eventos que usamos como exemplos vêm mudando.

Ojeito que achei de envolver os estudantes foi fazer com que as leituras filosóficas, os conceitos e as ideias, muitas delas abstratas e difíceis, conectem-se com dilemas contemporâneos, controversos, desafiadores. Sobre esses dilemas, todo mundo tem opinião, mesmo que nunca tenha estudado

filosofia. O jeito de atrair o estudante é mostrar que as opiniões dele estão conectadas às ideias que os filósofos vêm desenvolvendo há séculos. Isso tem muito a ver com engajar os cidadãos. Espero que a filosofia nos ajude a ter melhores ideias no debate público.

 

ÉPOCA – No Brasil, há grupos crescentes de cidadãos que definem suas atitudes na vida, além de suas escolhas eleitorais, de acordo com a orientação religiosa. Isso traz algum perigo para

a vida pública? Sandel- É uma questão complicada. A relação entre política e religião tem uma história longa e difícil. Os filósofos políticos debatem há muito tempo qual seria a relação adequada

entre as duas, com duas preocupações principais. Uma é que as convicções religiosas sejam intolerantes, dogmáticas, estreitas, e tragam isso para a política. A segunda ‘preocupação

é que, como as sociedades modernas abrigam muitas diferenças religiosas, trazer essas divergências para a política poderia gerar discordâncias irremediáveis dentro do debate

público. Não acredito que possamos ou devamos insistir numa separação completa entre política e convicções religiosas. Por dois motivos. O primeiro: é verdade que a religião pode trazer para a política intolerância e dogmatismo, mas também é verdade que não apenas as convicções religiosas

trazem esses males. Algumas ideologias seculares também geram problemas do mesmo tipo. O que devemos isolar da política, então, é a intolerância e o dogmatismo, seja qual for sua fonte, para que possamos nos respeitar e debater, cultivando uma ética de respeito democrático. Meu segundo motivo para não insistir nessa separação completa entre política e religião é que a política diz respeito às grandes questões e aos valores fundamentais. Então, a política precisa estar aberta às convicções morais dos cidadãos, não importa a origem. Alguns cidadãos extraem convicções morais

de sua fé, enquanto outros são inspirados por fontes não religiosas.Não acho que devamos discriminar as origens das convicções ou excluir uma delas. O que importa é o debate

ser conduzido com respeito mútuo.

 

ÉPOCA – Além do componente religioso, há no debate público atual nos Estados Unidos um tanto de ressentimento contra a lógica de mercado. Hoje, o senhor vê mais força no avanço do livre

mercado ou no clamor popular contra ele? Sandel- Vejo força nos dois. O objetivo de meu livro é encorajar e inspirar o debate público sobre o mercado e a sociedade. Nas últimas décadas, vivemos um período de triunfalismo do mercado. Mas o papel dos mecanismos de mercado cresceu e avançou para além dos campos do bem-estar material – chegou às relações pessoais, saúde,

educação, vida cívica. Quero provocar agora o debate que deveríamos ter tido e não tivemos nas últimas décadas: onde deve e onde não deve valer a lei de mercado? Se você pergunta

se o livro é um alerta sobre o papel do dinheiro especificamente nos Estados Unidos, acho que os acontecimentos que descrevo representam uma tendência geral. Certo, são mais evidentes, mais traumáticos nos Estados Unidos do que na maioria dos outros países. Acredito, no entanto,

que a mudança em andamento nos países desenvolvidos cria as mesmas questões e desafios também nos países em desenvolvimento economicamente bem-sucedidos. Uma pergunta vale para todas essas nações: queremos ser uma sociedade que conta com a economia de mercado ou uma

sociedade que é um mercado? A economia de mercado é um instrumento para alcançar o bem público, uma ferramenta para a organização da produção. Uma sociedade mercado é algo diferente, em que tudo está à venda, em que as relações de mercado governam cada aspecto da atividade humana. Em muitas nações, não só nos Estados Unidos, há uma tendência de transformar uma sociedade com economia de mercado em uma sociedade mercado.

 

ÉPOCA – Qual o problema em usar mecanismos como uma empresa pagar pela proteção ambiental em outro lugar e assim ganhar o direito de poluir, ou pagar para uma criança ler, se os resultados

finais forem menos poluição global e as crianças lendo mais? Sandel – Algumas vezes, os mecanismos de mercado podem ser eficazes. Não argumento contra todos os usos desses

mecanismos. Mas sempre que usamos incentivo financeiro para resolver problemas sociais, para obter ganhos para a sociedade, temos de considerar o efeito desses mecanismos nas atitudes e nos valores que estamos tentando cultivar. No caso de pagar a uma criança US$ 2 por livro lido, realmente acontece que a criança lê mais livros – e também que as crianças que liam anteriormente passam a ler livros mais curtos. Como o dinheiro afetou a atitude da criança em relação à leitura e ao aprendizado? É provável que ela passe a considerar a leitura como um trabalho a fazer em troca de

pagamento. Se isso acontecer, o incentivo financeiro comprometeu o amor pela leitura e pelo livro. Meu argumento não é contra o mercado, e sim a favor das atitudes e valores com que todos nos preocupamos.

 

ÉPOCA – O senhor afirma haver uma conexão entre a disseminação dos mecanismos de mercado para áreas diversas e o aumento da corrupção. Há algum aumento perceptível da corrupção nos

últimos anos? Sandel – A corrupção tem muitas fontes. Uma fonte é a concentração de poder político sem a correspondente obrigação de prestar contas, são as instituições políticas isoladas do cidadão. Outra fonte é o poder do dinheiro, e permitir que ele domine aspectos da vida pública que não têm a

ver com o mercado. A vida cívica e a política deveriam ser orientadas para o bem comum. Mas, crescentemente, o dinheiro domina a representatividade nas instituições políticas.

 

UM WALT DISNEY PARA O NOSSO TEMPO

 

John Lasseter revolucionou o cinema de animação, e depois revolucionou de novo, e de novo, e de novo. Steve Jobs o chamava de gênio. Seu novo filme, Valente, é mais uma prova de seu talento

 

A imagem que o americano John Lasseter passa a quem o,encontra pela primeira vez é de um menino bochechudo que cresceu demais e não se conforma em já ter completado 55 anos. Ele costuma vestir calças jeans e camisas havaianas largas e coloridas, mesmo numa cidade fria e nevoenta como Edimburgo – onde esteve em junho passado para o pré-lançamento do longa metragem de animação Valente. Ambientado na Escócia medieval, o filme estreia nesta semana no Brasil em 750 salas nas versões 2D e 3D. Os olhos azuis e astuciosos por trás dos óculos redondos se fixam no interlocutor. Quando Lasseter começa a falar, sua voz forte e incisiva formula raciocínios com tanta objetividade e visão de negócios que fica difícil pensar que se trata de um artista – um dos maiores da atualidade. Seu amigo (e, por 20 anos, chefe) Steve Jobs, fundador da Apple,

afirmou que Lasseter é um dos poucos gênios que conheceu. A criatividade alucinante, e o sucesso de filmes como Toy story e Monstros S.A., comprova que a maior parte dos fãs de cinema concorda com Jobs.

 

Desde cedo, Iohn Alan Lasseter se apaixonou pelo que faria a vida inteira: animação. Ele nasceu em Los Angeles, “a meia hora ~ Disneylândia”, como diz. Frequentava o parque da Disney desde criança. A mãe, Iewell, era professora de arte num ginásio, e o pai, Paul, gerente da Chevrolet. Iewell

o influenciou na paixão pelas histórias de aventura e pelo desenho. Paul lhe despertou o gosto pelos carros e por locomotivas. Quando assistiu ao desenho animado A espada era a lei, em 1963, o menino Iohn decidiu que se tornaria animador. Em 1975, ingressou no curso de animação no California Institute of Arts de Los Angeles. Ali, tomou lições de Eric Larson, Frank Thomas e Ollie Iohnston, três fundadores da Disney,pertencentes ao legendário grupo dos “Nove Anciãos” – os

desenhistas animadores que tomaram parte nos primeiros filmes do estúdio, como Branca de Neve e os sete anões (1937) e Pinóquio (1940). Ao lado de colegas como os futuros diretores Tim

Burton e Brad Bird (com quem trabalharia na animação sobre super-heróis Os Incríveis, de 2004), Lasseter fez seus primeiros desenhos animados. A vida profissional começou em 1980, quando

foi contratado pela Disney. Entre seus trabalhos, destacou-se a colaboração no desenho animado O conto de Natal do Mickey, de 1983. Demitido pela Disney num dos muitos cortes que o estúdio realizaria a partir de então, Lasseter especializou-se em computação gráfica, uma área desconhecida

e quase esotérica na época. Entrou para a Lucas film como designer que criava fundos e papéis de paredes de computadores.

 

Poderia ter passado o resto da vida desenhando peixinhos e rosáceas se outro gênio não tivesse cruzado seu caminho em San Francisco, em 1986: Steve Jobs, Jobs acabava de comprar,

por US$ 10 milhões, a divisão de computação gráfica da Lucas film, criada em 1979 por George Lucas. Jobs rebatizou- a de Pixar (palavra resultante da soma de “pixel”, a unidade elementar

da imagem gráfica, e “art”) com o objetivo único de desenvolver um computador da Apple, o Pixar Image Computer. O fracasso do aparelho e a convivência com Lasseter convenceram-se ram-no a transformar a empresa na Pixar Animation Studios para produzir filmes de animação. Iobs ficou impressionado com a habilidade de Lasseter em desenhar e criar histórias. O fato decisivo para a conversão da Pixar em estúdio se deu com Luxo Ir, animação em que Lasseter trabalhava desde os

tempos de George Lucas, sobre um abajur esperto. Ela ganhou o Oscar de Melhor Curta-Metragem de 1986. O filme inaugurou a animação digital e foi adotado como logotipo da própria

Pixar. Por decisão de Iobs, Lasseter se tornou o supervisor de todas as produções do estúdio desde então.

 

Gênios não costumam se fazer sozinhos. Jobs e Lasseter aprenderam um com o outro. “Com o tempo, Steve e eu nos tornamos irmãos e nos mantivemos próximos até sua morte”, disse

Lasseter a ÉPOCA. “Entre muitas coisas, aprendi duas com ele. Ele me disse: ‘Faça da Pixar algo tremendamente grande’. E me deu um conselho: ‘Lembre que tudo o que você fizer deve se

transformar em algo que deve sobreviver a você. Eu produzo computadores. Você, obras de arte’. Ele me fez prestar atenção àquilo que eu fazia de melhor: arte de animação.” Nove anos depois,

em 1995, Lasseter lançava Toy story, o primeiro longa-metragem de animação digital da história. De alguma forma, Jobs enxergou em Lasseter uma projeção de si próprio. Só que, em vez do inovador tecnológico, encontrou nele o iniciador de uma espécie inédita de artista. Lasseter estava transferindo a fantasia para um ambiente jamais percorrido pelo homem, a animação digital. Como Iobs, ele promoveu não uma, mas várias revoluções no interior desse mundo novo, desbravado à medida que era inventado.

 

São quatro as suas inovações mais visíveis. A primeira é a já citada fundação do filme de animação digital, com Toy story. A segunda é que, além de elaborar os parâmetros técnicos da nova  linguagem, ele soprou espírito no novo tipo de obra. Diante do esgotamento das fórmulas tradicionais, renovou a dramaturgia da animação e superou os padrões das antigas fábulas de Walt

Disney (1901-1966). Com os roteiros de Vida de inseto (1998), Procurando Nemo (2003), Carros (2006) e Up-Nas alturas (2009), a história infantil deixou de ser uma repetição de modelos inspirados

em figuras clássicas da literatura infantil – como Branca de Neve ou A Bela Adormecida. Surgiram os clássicos modernos da animação, com personagens novos e fascinantes e a ambição de ir além do público infantil. Um dos mantras de Lasseter é o seguinte: ”A Pixar não faz filmes infantis. Faz filmes

para todo mundo: crianças, adolescentes, adultos e famílias”.

 

A terceira revolução se deu na fase mais turbulenta do estúdio. Em 2006, Jobs vendeu a Pixar para a Walt Disney Pictures, por US$ 7,4 bilhões, dando origem à Disney-Pixar. O medo de Lasseter era que a Disney se apossasse da criatividade dos animadores da Pixar e transferisse as operações da velha sede, em Emeryville, nos arredores de San Francisco, para Hollywood. Mas Iobs impôs duas condições para a venda: a autonomia da Pixar e a contratação de Lasseter como supervisor

artístico de toda a operação da Disney e da Pixar. A consequência para a Disney foi um salto evolutivo que parecia improvável: além de modernizar as tramas, Lasseter reabilitou o

venerável departamento de animação analógica. Recontratou desenhistas e artistas que haviam sido dispensados anos antes. “Era algo que devia a mim mesmo, já que tinha iniciado minha vida artística ali”, diz. “Sabia que os artistas não deviam ser penalizados pelas histórias ruins dos desenhos animados que o estúdio lançava. Não era um problema de tecnologia, mas de qualidade do conteúdo.”

 

Foi assim que, em 2009, a Disney lançou A princesa e o sapo. Além de ser o primeiro longa-metragem de animação tradicional desde o malfadado Nem que a vaca tussa (2004), sua heroína não pode ser tecnicamente chamada de princesa. Na realidade, trata-se de uma jovem pobre de New Orleans que sonha em montar um restaurante. Antes de realizar seu projeto, ela própria vira sapo. Dessa forma, Lasseter convidava o público a voltar ao desenho animado tradicional e a aceitar uma princesa feminista e negra. Foi um sucesso, repetido no final de 2010 com a animação digital em 3D Enrolados, estrelada por uma princesa Rapunzel que foge da torre e se apaixona pelo chefe de um bando de ladrões.A maior inovação de Lasseter na Disney foi ter abolido um personagem que gozou de respeitabilidade por mais de sete décadas: o Príncipe Encantado. “Levei à Disney a

imaginação da Pixar, e vice-versa”, diz.

 

Agora, com Valente, ele inicia sua quarta revolução. Avança na simulação de texturas e materiais da natureza como cabelos e florestas, além da trama da lã escocesa. Até então, os personagens da Pixar pertenciam ao mundo dos brinquedos e das figuras fantásticas. Em Valente, os protagonistas

são seres humanos de carne e osso, ou melhor, bits e pixels. É como se o espectador assistisse a um filme realista sem atores. Ou quase. Valente é também o primeiro conto de fadas da Pixar e traz sua primeira heroína feminina, a princesa Merida. Até então, a Pixar era conhecida por fazer animação de e para meninos.

 

A ideia de uma heroína surgiu da mulher de Lasseter,Nancy Robbie Coltrane, com quem ele é casado há 26 anos. “Logo depois da primeira projeção de Toy story, Nancy reclamou: ‘Estou cansada de ver filmes de menino. Você não poderia fazer um filme com uma personagem feminina forte para mim e para suas sobrinhas?”‘, diz Lasseter. “Eu não havia pensado nisso porque, para nós, do núcleo fundador da Pixar, todos ‘meninos’, parecia natural criar nossas histórias do jeito que víamos o mundo. Foi então que comecei a pensar no assunto. E, até Valente, fizemos animações principalmente para meninos. Valente é sobre uma menina e para meninas. Mas tomei medidas para que os meninos se divirtam com as estripulias de Merida. Os três irmãos mais novos dela são bagunceiros e se metem em muitas lutas, encrencas e correrias.” A atenção de Lasseter com os garotos é inevitável, até porque ele tem cinco filhos homens, com idades entre 14 e 33 anos. Sempre consultou-os e levou-os para as projeções de teste para dar seu aval. “Isso não quer dizer que eu mantenha distância delas”,afirma. “De minha mãe a minha mulher, passando por muitas funcionárias da Pixar e da Disney, sou rodeado por mulheres fortes!”.

 

Lasseter é tão fortemente ligado ao trabalho quanto à família. Participava de uma conferência sobre computação gráfica quando conheceu Nancy. Na ocasião, ela era ainda estudante. A mulher o arrastou de volta aos prazeres da vida. Em 1992,o casal comprou uma propriedade em Glen Ellen, no Vale de Sonoma, na Califórnia. Ali, mantém um vinhedo e uma vinícola que produz quatro rótulos varie tais a preços acessíveis.”Adoro cultivar uvas, produzir vinhos e conviver com a família e os amigos”, diz. “Não é fácil harmonizar a qualidade de vida e a supervisão dos dois estúdios, mas faço questão de reservar um tempo para mim:’ Sua agenda é apertada, já que divide seu expediente entre compromissos em Los Angeles e San Francisco. Ainda assim, consegue acompanhar corridas de carro e viajar a bordo de sua velha locomotiva – a Marie E., que um dia pertenceu ao animador da Disney Ollie Johnston – entre sua casa e a Disneylândia. São hábitos de um menino crescido que fez fortuna com o trabalho da imaginação. Até hoje, os 1210ngas-metragens da Pixar em que ele trabalhou renderam US$ 7,4 bilhões. Como a maioria das animações da Pixar anteriores, Valente foi o filme mais visto no fim de semana da estréia, na penúltima semana de junho. Atingiu a bilheteria de US$200 milhões na semana passada, quando ocupava o terceiro lugar entre os sucessos da temporada nos Estados Unidos.

 

Se a recepção do público tem sido calorosa, a crítica emitiu sinais variados. Muitos se decepcionaram e afirmaram que Valente é o filme mais “Disney ficado” da Pixar -leia-se “banalizado”.

Um conto de fadas com uma princesa leva a pensar no modelo Disney. Mas há dois detalhes significativos. Primeiro, Merida é uma princesa independente e avessa a príncipes. Segundo, o argumento não é tirado dos irmãos Grimm ou de Charles Perrault como na Disney, e sim da própria

equipe do estúdio. Valente é uma criação original de Brenda Chapman, animadora que esteve à frente da direção do longa-metragem desde 2006. Teria sido a primeira animação do estúdio

dirigida por uma mulher. Mas Lasseter substituiu-a no início deste ano por MarkAndrews. “Foi um procedimento rotineiro”, diz Lasseter. “A história não andava, foi nossa produção mais demorada e precisávamos agilizar o processo.” Andrews encarou o trabalho como uma convocação. “Observo

a regra fundamental da Pixar: obedecer a Iohn Lasseter. Ele percebeu que a história não andava, estava centrada demais no conflito entre mãe e filha. Iohn e eu gostamos de aventura. Brenda

deu uma contribuição fantástica para mostrar a delicadeza da relação entre Merida e a rainha.

Mas era preciso atrair também os meninos”.

 

Boa parte dos cinéfilos ficou fascinada pelas inovações técnicas, como a simulação dos cabelos vermelhos, as paisagens das Highlands da Escócia e seus animais, como peixes, ovelhas e vaga-lumes. “Criamos softwares de simulação, mas a evolução tecnológica depende de nossas necessidades estéticas, e não o contrário”, afirma Lasseter. “Os programas foram elaborados

para narrar visualmente uma história que deve surpreender por simular um mundo plausível, com animais, plantas e seres humanos irreais, mas que parecem vivos.” As aventuras de uma princesa escocesa de 16 anos que, no século XIII, manobra o arco, se embrenha na selva e se recusa a

casar com um dos três pretendentes que a disputam num torneio de arco chamou a atenção. Alguns resenhistas viram um caráter gay em Merida. Adam Markovitz, da revista Entertainment Weekly, transformou Merida em símbolo para o orgulho homossexual. Para Chris Heller, da prestigiosa revista mensal The Atlantic, o filme não diz se ela é gay: “O que importa é que ele faz o espectador se questionar sobre isso”. Lasseter diz que buscou construir uma princesa nada convencional. “Algo parecido com que eu fiz na Disney com Tiana (de A princesa e o sapo) e Rapunzel”, afirma. “É uma personagem ainda mais radical com que as meninas de hoje podem se identificar. Uma princesa da Pixar, não da Disney.”

 

Um dos pontos de honra na visão de mundo de Lasseter é conservar a pureza da imaginação infantil em tempos de ceticismo e deboche. “Creio no conto de fadas”, afirma. “Continuei a acreditar

mesmo quando os estúdios concorrentes passaram a fazer paródias de histórias infantis, com Shrek, na tentativa de abalar certos hábitos da audiência e, assim, obter boas bilheterias. O que tentei

fazer foi restituir o poder à fábula.”

 

De acordo com ele, a chave para o futuro da animação é não se prender à tecnologia. “Eu me aperfeiçoei em computação gráfica como uma ferramenta de trabalho”, diz. “É preciso acompanhar e dominar a tecnologia. Mas não é ela que produz grandes animações, e sim a história que elas têm a contar.” Para atingir a excelência, o artista deve estudar tanto os fundamentos da animação quanto os da narrativa. “Não existe segredo em narrar uma história ou montar um roteiro. Basta imaginar um personagem que desencadeie as ações e seguir os pressupostos que vêm sendo desenvolvidos há 2 mil anos, desde Aristóteles”, diz. “É preciso conhecer como se faz um roteiro em três ou quatro atos. A regra de ouro do sucesso é romper as fórmulas, sem deixar de compreendê-las em profundidade:’

 

Se há um sonho impossível que esse mestre jovial gostaria de realizar, seria encontrar Walt Disney. O que dida a seu inspirador? Lasseter não sabe responder: “Talvez ficasse mudo’: Ou declarasse

quanto gosta desde pequeno do desenho 101 dálmatas, de 1961, para ele o auge dos anos dourados dos estúdios. Um mundo que, com seu trabalho revolucionário, ele ajudou a manter vivo.

 

REVOLUCOES POR MINUTO

 

John Lasseter virou a animação do avesso por quatro vezes. Ao lado, alguns filmes que marcaram suas inovações

 

 Toy story 1995 O primeiro longa metragem de animação

 

A primeira animação produzida totalmente por computação gráfica trata das aventuras do

menino Andy, de 8anos, e seus brinquedos, entre eles o caubói Woody e o astronauta Buzz Lightyear Lasseter escreveu, desenhou, animou, dirigiu e produziu o filme, façanha comparável a Branca de Neve e os sete anões (1937),de Walt Disney, o primeiro longa metragem de animação analógica.

 

A princesa e o sapo 2009 A renovação do desenho feito mão

 

O filme marcou a retomada da divisão de animação analógica, que fora fechada em 2004, depois

de mais de 70 anos de atividade. O primeiro resultado da volta dos artistas que desenhavam e

pintavam à mão foi uma paródia aos contos de fadas. A jovem Tiana beija um sapo pensando ser príncipe e se transforma, ela própria, em sapo. O visual lembra a velha Disney.Só que a princesa é

feminista e negra

 

Up – Nas alturas 2009 A criação de uma nova dramaturgia

 

Lasseter fez filmes sem precisar recorrer às tramas dos irmãos Grimm ou Charles Perrault, em

que os desenhos animados bebiam. Um exemplo é Up – Nas alturas. No filme, o idoso Carl se

revolta com a aposentadoria e, em vez de ficar parado, voa com sua casa até a América do Sul,

No caminho, ele encontra o escoteiro Russel, de quem se torna amigo. Carl é um tipo inesquecível, tanto quanto o Buzz Lightyear de Toy story.

 

Valente 2012 O filme realista sem atores

 

o filme encena a rebeldia da princesa arqueira Merida que se recusa a casar com seus pretendentes e contraria sua mãe e o rei. Para reproduzir digitalmente a textura e os movimentos do cabelo vermelho e despenteado de Merilila. o estúdio criou um software de simulação. A expressividade

dos personagens é impressionante. A mais longa produção da Pixar levou seis anos para ser concluída. A equipe viajou várias vezes para a Escócia à cata de paisagens. tipos

físicos. castelos medievais e tecidos.

 

BRUNO ASTUTO

 

A biografia de Gianecchini

 

O jornalista e escritor Guilherme Fiuza, colunista de ÉPOCA, escreverá a biografia de Reynaldo Gianecchini. A parceria surgiu por acaso. “O editor Hélio Sussekind comentou que queria propor um livro a Giane, mas não conseguia contatá-lo”, diz Fiuza. Ele se ofereceu para ajudar por intermédio da amiga Maria Helena Amaral, diretora dos programas de Marília Gabriela. “Quando meu e-mail chegou a Maria, o Gianecchini estava na frente dela gravando. Ligaram imediatamente, dizendo que acharam legal eu escrever o livro. Agradeci, mas disse que era um mal-entendido, que estava só fazendo um favor. Dois dias depois, o mal-entendido havia virado minuta de contrato.” Fiuza afirma que a luta conta o cãncer no sistema linfático será abordada do ponto de vista da rede de solidariedade que se formou em volta do ator. “Nos encontramos para trocar impressões sobre o projeto e comentei que o palco de nossa história era a cabeça dele, onde se passou a guerra contra o inimigo interno.” Os trabalhos já começaram, e Fiuza tem uma bateria de entrevistas gravadas, inclusive com familiares e amigos de Giane. “Contarei a história incrível de um cara que, quis o destino, só pega onda grande.” A editora quer lançar em novembro.

 

Valentino desfila no Brasil

 

Vendida a um grupo de investidores do Catar num negócio estimado em R$1.7bilhão, a grife italiana Valentino não pretende frear sua expansão brasileira. Ao contrário: em novembro, abrirá três

lojas no país – uma da marca principal no Shopping Cidade Jardim, em São Paulo,e duas de sua segunda linha, a Red,também por lá e no Shopping Leblon, no Rio de Janeiro. A dupla de estilistas Pier Paolo Piccioli e Maria Grazia Chiuri, que assumiu a direção da marca fundada pelo grande

mestre italiano, confirmou presença na festa de inauguração. Está previsto um desfile em local ainda não definido com a coleção Cruise, que estará nas araras paulistanas. “Estamos animados

com a viagem ao país.As brasileiras estão entre nossas melhores compradoras na Europa e nos Estados Unidos”, diz Maria Grazia.

 

Dinastia hípica

 

O cavaleiro Luiz Francisco de Azevedo acaba de ser convocado pela Confederação Brasileira de Hipismo para as Olimpíadas. Ao lado de atletas como Alvaro Afonso de Miranda Neto, o

Doda, e Rodrigo Pessoa (porta-bandeira do Brasil na cerimônia de abertura), ele buscará a quarta medalha do país no hipismo. “Minha vida se resume à ponte aérea Brasil-Bélgica”, diz Chiquinho. Seu pai, Luiz Felipe de Azevedo, conquistou duas medalhas de bronze em Jogos Olímpicos, em Atlanta (1996) e Sidney (2000). O irmão, Luiz Felipe Azevedo Filho, o Felipinho, também é campeão

e treinador do cavalo Special, com o qual o atleta competirá. O avô, Audifax de Azevedo Filho, dedicou 45 anos da vida ao hipismo. “Nunca pensei em fazer outra coisa na vida”, afirma Chiquinho.

Ele conheceu a noiva, Nathalia Sang, há cinco anos na Hípica carioca. “Costumo dizer que a domei”, diz. Aos 59 anos, seu pai quer participar dos Jogos de 2016 no Rio, na prova de atrelagem, com

charretes, ainda não oficializada. “Tem de ter adrenalina, senão não vivo”.

 

Gente fina é outra coisa

 

Há mais poeira sob os tapetes das mansões dos casais bilionários, glamourosos e solidários do reino de Elizabeth 11 do que supõem os tabloides. As vésperas dos Jogos de Londres, dois casais tidos

como exemplares desmancharam-se em escândalos. Flagrado dirigindo erraticamente pelas ruas da cidade, Hans Kristian Rausing, herdeiro do império sueco de R$ 45 bilhões Tetra Lavai, das caixinhas Tetra Pak, tem agora de explicar à polícia o que o corpo de sua mulher, Eva, fazia numa das suítes da casa havia quase uma semana. Suspeita-se que ela tenha morrido de overdose depois

de uma semana polvilhada de álcool e cocaína. Benemerentes de diversas entidades de reabilitação de usuários de drogas, eles se conheceram em 1980 numa clínica dos Estados Unidos, onde

estavam internados. A Scotland Yard tenta agora rastrear a rede de traficantes que atende clientes de luxo como eles. A notícia ofuscou o divórcio de Ben Goldsmith e Kate Rothschild, outro casal

aristocrático da Inglaterra. Depois de descobrir mensagens de texto trocadas apaixonadamente pela mulher e pelo rapper americano Jay Electronica, casado há cinco anos com a cantora Erykah Badu,

Ben estapeou Kate, que o denunciou à polícia. Ambos resolveram dar suas versões dos fatos no Twitter. Com fortuna estimada em R$ 1bilhão, o marido traído comprou uma mansão nova. E pediu a Kate para dar uns pitacos na decoração.

 

Inhotimlândia

 

O milionário Bernardo Paz procura sócios para expandir os domínios de seu complexo de artes plásticas, em Inhotim, Minas Gerais. Entre os planos, está construir um aeroporto para

Facilitar o acesso direto ao local, sem precisar passar por Belo Horizonte, e fomentar a atividades comerciais e hoteleiras nas cercanias do instituto. Dois grupos internacionais já manifestaram interesse na empreitada.

 

ENTREVISTA CAROLINA MUNHOZ, ESCRITORA

 

“Meus personagens fazem sexo”

 

Precoce, aos 16 anos Carolina Munhóz escreveu seu primeiro livro, A fada. Aos 20, já tinha visitado

11países e, neste mês, aos 23, lança sua nova obra, O inverno das fadas, bem diferente dos contos de fadas que costumam atrair jovens de rosto angelical como ela. A obra fala de sexo e morte. Os nomes dos personagens fazem alusão a astros do rock, como Kurt Cobain e Amy Winehouse. Carolina foi eleita a melhor escritora jovem de 2011 pelo Prêmio Jovem Brasileiro, “Posso falar que não quero chegar à lista dos mais vendidos, mas seria uma grande mentira. Todo escritor sonha com isso, poís significa que é lido.”

 

ÉPOCA – Sexo e morte fazem falta nos livros para a juventude? Carolina Munhoz – Não ‘f0 temas

muito abordados por jovens em livros, mas são assuntos do nosso dia a dia. Que jovem nunca pensou em sexo ou lidou com a morte? Em minha vida já lidei com situações complicadas em

relação a perdas e, principalmente, a tentativas de suicídio. Sei quanto é difícil. Eu mesma já pensei, mas nunca tentei me suicidar. Respeito todas as opiniões dos jovens sobre sua sexualidade, mas não concordo com a forma como o tema é tratado. Muitas garotas de 18 anos já tiveram relações sexuais. Nos livros, 99% são retratadas como virgens. As meninas precisam de alguém para conversar.

 

ÉPOCA – Você teve crises? Carolina – Era a gótica do colégio,filha de pais separados e com

dificuldades nas relações. Cheguei a um ponto em que não queria mais viver. Quando escrevi meu primeiro livro, estava num momento péssimo, depressiva mesmo. Colocar meus

 

EPOCA – Em que artistas como Kurt Cobain e Amy Wlnehouse, que morreram de forma trágica,

podem ajudar os jovens? Carolina – Eles falaram com nossa geração. Não tomaram boas decisões

em vida, mas não posso negar sua importãncia. O mundo precisa de pessoas que falem sobre

a revolta e sobre as dores. Esconder isso dos jovens é besteira.

 

EPOCA – Está preparada para a polêmica que a obra pode gerar? Carolina – Dizem que a gente só

descobre se está realmente preparado na hora. Mesmo jovem, já vivi muito e sempre fui do mundo. Não quis criar polêmica, mas meus personagens fazem e pensam em sexo. São jovens

reais. Nada de literatura puritana em que o mocinho e a mocinha têm desejo, mas não têm coragem. Se um livro como esse ajudar alguém a desistir de cometer algo terrível ou lhe tocar o coração, é o que importa.

 

EM FAMÍLIA

 

Depois do elogiado Quebrando o tabu, em que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso

tratou da descriminalização das drogas, o jovem cineasta Fernando Grosteln Andrade se

prepara para lançar seu novo documentário, Cine Rincão, sobre vítimas da violência.

“A revista italiana Colors, da Fabrica (central de artes e design do grupo senetton),estava fazendo um projeto sobre violência e amor. Fui escolhido no Brasil para contar essas histórias”, diz Fernando.

O desafio era encontrar alguém que tomou um tiro e fez algo positivo para a sociedade. Com a ajuda do irmão, o apresentador Luciano Huck, Fernando conheceu a história de Paulo Eduardo, um

jovem que, aos 15 anos, levou um tiro no peito. Paulo foi da primeira turma de editores

formados pelo Instituto Criar de TV, Cinema e Novas Mídias, presidido por Huck. “Luciano é uma fonte de inspiração, sabedoria e, acima de tudo, luz”, afirma Fernando. Ele promete voltar a tratar

o tema das drogas. “Quero incomodar o moralismo, a burrice e o cinismo daqueles que pretendem perpetuar as injustiças do mundo.”

 

WALCYR CARRASCO

 

A forca do casamento gay

 

H á algum tempo, tive uma cozinheira que, ao ser entrevistada, declarou morar com uma amiga. Morro de curiosidade, mas tento me manter discreto a respeito da vida sexual alheia. Dei um nó na língua para não perguntar o que tinha vontade de saber:

 

– Amiga, é? Que tipo de amiga? Hummmm …

 

Como tantas palavras hoje em dia, amizade adquiriu um significado elástico. Pode ser simplesmente um relacionamento de afeto. Mas também um caso fogoso, com direito a gritos, arranhões e reconciliações dramáticas. No caso da minha cozinheira, a verdade explodiu meses depois, quando

veio a separação. Ela mesma contou, em lágrimas, que eram companheiras havia quase 20 anos. A situação tornara-se crítica porque a outra não trabalhava havia muito tempo. Venderam o pequeno apartamento que tinham no centro de São Paulo. A cozinheira instalou-se em meu endereço. A

ex mudou-se para uma pequena cidade do interior, na casa da mãe. Levou quase todo o dinheiro de

ambas. Comprou uma casinha, em seu nome. Alguns meses depois, voltaram a se ver e a passar fins de semana juntas. Insisti várias vezes com minha funcionária:

 

– Você tem de garantir seu direito a esse imóvel. Pense bem. No futuro, é bom que tenha um lugar para morar. Se sua ex morrer, a herança vai para a mãe dela! Minha cozinheira me olhava com expressão desconsolada, de quem acreditava que, por ser homossexual, não tinha direitos. Uma tristeza.

_ Você é uma cidadã, tem de usar a lei a seu favor.

Abanava a cabeça, desconsolada.

 

Deixou o emprego sem resolver a situação. Muitas vezes pensei na injustiça desse caso e de outros semelhantes. Minha ex-cozinheira poderá passar a velhice sem um teto.

 

Por isso, envio meus aplausos ao lançamento de uma publicação dirigida à união gay, Momento Inesquecível. É um avanço. O Brasil já admite a União Estável, que, de acordo com a decisão judicial, pode ser transformada em casamento.Depende do juiz. Alguns processos foram vitoriosos. Outros não. A revista, anual, abrange todas as etapas da União Gay. Entre os artigos, o advogado Ricardo Brajtman, do Rio de Janeiro, explica didaticamente como realizar a união e depois vê-la reconhecida como matrimônio. Outros indicam locais para celebrar a festa, como escolher bufês, doces e lembrancinhas. E, como não podia deixar de ser, dão dicas para a lua de mel. Há até uma coluna social fotográfica, que mostra vários casamentos realizados. No do estilista Carlos Tufvesson com o arquiteto André Piva, a mãe do primeiro, Glorinha Pires Rebelo, celebrou, ela própria, a união: “Com as bênçãos de Deus e a autoridade de mãe, eu vos declaro casados em nome do amor”.

 

Até os bolos são anunciados com miniaturas de dois rapazes ou duas noivinhas em cima. Também há referências a religiões que, ao contrário da Igreja Católica, abençoam uniões do mesmo sexo. A famosa monja Coen, budista, por exemplo, casou duas mulheres.

 

É um passo para a aceitação. Por mais que a família se dê bem e assuma o companheiro de um de seus membros, na hora da herança, a grana fala mais alto (se até irmãos de sangue brigam por causa das panelas da mamãe, imagine uma situação confusa do ponto de vista da lei). Lembro um caso, há muitos anos, em São Paulo, onde um costureiro com aids foi cuidado por seu companheiro,

um rapaz, até o momento final. No velório, o jovem chorava, e a família do outro tentava consolar. De madrugada, o rapaz voltou ao apartamento para trocar de roupa. As fechaduras haviam sido trocadas pelos irmãos do falecido! Só após um longo processo, onde provou ter contribuído para a formação do patrimônio, o rapaz pode voltar a ter casa e conseguiu reaver parte de seus bens.

 

Sempre acreditei que quando duas pessoas se amam, hétero ou homossexuais, o casamento é um detalhe dispensável. Talvez eu tenha sido rígido demais. As pessoas precisam de símbolos para viver. Quando uma união entre dois homens ou duas mulheres é revestida por todo o aparato de um casamento tradicional, incluindo bolo com noivinhos, a ideia parece ser melhor absorvida. A discussão se é certo ou errado fica ultrapassada quando o fato já é isso, um fato.

 

Momento Inesquecível mostra que, embora do ponto de vista judicial o país ainda patine, a União Estável veio para ficar, e o casamento gay, mais dia menos dia, virá também. Mais que isso: se tornará tão comum quanto qualquer outro. Ainda bem. Mesmo porque não resisto a uma festa e espero ser convidado para muitas.

 

Apenas para 250 privilegiados

 

Quem pagaria R$ 48 milhões num par de brincos? Os poucos endinheirados que fazem o mercado

das jóias de alto luxo crescer 20% ao ano

 

A Louis Vuitton, um dos monogramas mais famosos do mundo da moda, adornará a partir deste mês também orelhas, dedos e pescoço de quem pode gastar fortunas em peças eternas. Para lançar sua primeira coleção de joias de luxo, a marca francesa acaba de abrir uma loja dedicada a pedras e metais na famosa Praça Vendôme, o coração da alta joalheria em Paris. Esse mercado utraexclusivo

é mantido por apenas 250 clientes em todo o mundo e cresce 20% ao ano, em relação aos 10%

de crescimento da indústria do luxo em 2012. A festa de inauguração da nova loja Vuitton

reuniu celebridades como a cineasta Sofia Coppola, a atriz Kristen Dunst e a princesa Charlene de

Mônaco. Nas vitrines, era visto um anel com diamante de 30 quilates, no valor de R$ 22,8 milhões, ao lado de um par de brincos vendido por R$ 1.652. “Há peças para todos os bolsos’: diz Yves Carcelle, presidente da marca. Os executivos da Louis Vuitton acreditam que as peças mais baratas servirão de iniciação à alta joalheria, como acontece com as bolsas da marca.

 

A Louis Vuitton segue o caminho desbravado por outras famosas casas de artigos de luxo, como Dior e Chanel. Há dois anos, a Chambre Syndicale,órgão que regula a atividade têxtil na França, decidiu acrescentar um dia à semana de alta-costura parisiense, dedicado exclusivamente à apresentação de alta joalheria. São itens excepcionais, talhados por artesãos em laboratórios

durante meses ou anos. Os preços vão de R$ 152 mil (um anel) a inacreditáveis R$ 48 milhões,

caso dos brincos de raríssimos rubis de 27,16 quilates da Tanzânia, da tradicional grife Van

Cleef & Arpels. Neste ano, o destaque das apresentações foram os 80 anos da atividade da

Chanel no setor. Em 1932, a estilista francesa Gabrielle Chanel atendeu a um pedido dos comerciantes internacionais de diamantes para realizar uma coleção de jóias exclusivamente com essas pedras, que tinham saído de moda depois da crise de 1929. A coleção 2012 da Chanel inclui extravagâncias como o colar Cometa, de titânio, ouro branco e 85 quilates em diamantes, vendido a

R$ 12,4 milhões.

 

A chegada da Louis Vuitton à famosa praça, endereço de tradicionais grifes de joias como Chaumet, Van Cleef & Arpels, Cartier, Boucheron e Mellerio, não animou a vizinhança. “Nossa clientela

não está atrás de moda, mas de tradição”, diz, com ar de desdém, o gerente de uma tradicional joalheria do outro lado do obelisco erguido por Napoleão em 1810. A Louis Vuitton deu indícios de que não se intimidará com a concorrência tradicional. Contratou uma equipe de 15 artesãos

comandada pelo badalado designer Lorenz Bãumer, que mantém um ateliê próprio na praça. Na sala de Bãumer, impera um quadro do artista plástico paulistano Vik Muniz. “Fiz uma coleção alegre, cheia de frescor e imponência. Tem tudo a ver com o Brasil”, afirma.Ele diz que adora fazer turismo no Brasil.

 

Com o crescimento econômico dos últimos anos, o Brasil se tornou o novo destino das joalherias europeias. Até a última década, elas delegavam a venda de suas peças a comerciantes locais.

Agora, Van Cleef &Arpels e a relojoaria Panerai acabam de abrir sua primeira loja no shopping JK Iguatemi, em São Paulo. A italiana Bulgari mandou emissários à cidade duas semanas atrás para

procurar pontos onde possa retomar sua atividade nacional. A Dior terá uma área dedicada às joias na nova loja do shopping Cidade Jardim, em São Paulo, que será inaugurada em dezembro. Até

o fim do ano, a Cartier abrirá duas lojas, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Cerca de 70% das vendas para brasileiros ainda são feitas em Paris e Nova York, por causa dos preços mais convidativos,livres da pesada carga tributária de importação que dobra o valor dos produtos. Para

conquistar mercado, os executivos planejam reduzir suas margens de lucro no Brasil. Com a avassaladora crise financeira européia e a perspectiva de freio no crescimento chinês, o Brasil é um

diamante que merece ser lapidado.

 

BEBIDA PARA HOMEM

 

Chega de uísque, cerveja e cachaça. Novos sabores de coquetel conquistaram o paladar masculino

 

O escritor Ernest Hemingway e o personagem Iames Bond entornaram muitos daiquiris e

dry martinis. Símbolos de masculinidade e sofisticação antes da década de 1960, os dois eram fãs

de coquetéis. Hemingway e Bond não viviam no Brasil. Por aqui, a mistura etílica mais aceita pelos

homens contém apenas trigo e cevada. Com alguma abertura para o vinho, a cachaça ou o uísque.

Quem ousa escapar da relação monogâmica com a cerveja precisa engolir, antes do drinque,

uma boa dose de chacota. “Acham que é coisa de mulherzinha’: diz o apresentador Fred Lessa, aos

risos. Ele adora pedir sugestões aos bartenders e experimentar novas combinações. Diante dos

amigos, a ousadia de seu paladar tem limite. Fred já pediu para servir coquetel em copo longo

para evitar as piadas que uma taça em Y causaria.

 

Preconceito que o consultor inglês Spike Marchant, barman há 25 anos, afirma não encontrar

em nenhum lugar do mundo. “Lá fora, executivos e homens de negócio degustam drinques

naturalmente”, diz Marchant. Ele esteve no Rio de Janeiro entre os dias 8 e 12 de julho como

anfitrião do World Class, uma espécie de Oscar da coquetelaria mundial. O evento desembarcou

no hotel Copacabana Palace depois de edições em Londres, Atenas e Nova Délhi – um indício

de como o setor vive sua melhor fase no país. Por que os boêmios conservadores, preocupados em

manter a imagem de macho alfa, resistem a treinar o paladar arriscando brindes diferentes?

 

Para o barman Fabrício Marques, representante da vodca Diageo no país, os brasileiros não tiveram como referência a coquetelaria clássica. O que se consumia aqui eram variações de caipirinhas, com frutas e sabores adocicados. Ou algo parecido com um arco-íris em forma de bebida, uma apresentação tropical e exuberante. Esses elementos tendem a cair no gosto feminino. Por isso, essas bebidas ficaram associadas às mulheres.

 

Os homens preferem discrição e misturas de destilados com ingredientes cítricos e amargos.

Hoje, há invenções com manjericão, pepino, suco de limão siciliano, chá de bergamota e até

vinagre (experimente as receitas ao lado). Na disputa para atrair o público masculino, a concorrência

nunca esteve tão acirrada. Um levantamento da Diageo revelou que, em São Paulo, o número de

casas especializadas em coquetéis cresceu 750% nos últimos três anos. “Agora é a chance de

educar o paladar”, afirma Marques. “Ninguém gosta de cerveja no primeiro gole.”

 

Atrás do balcão do bar SubAstor, em São Paulo, Rogério Souza toma para si o desafio de convencer seus clientes. Como o drinque costuma “maquiar” o álcool, muitos homens consideram a bebida

fraca. Argumento de quem nunca provou um negroni (composto de Campari, gim e vermute).

A cada pedido de shot puro de uísque ou vodca, Souza investe: “Posso preparar algo com o mesmo

destilado, mas um sabor melhor?’: O empresário Rodrigo Pedreira não só se convenceu, como

virou especialista no assunto. Nas confrarias de que participa no SubAstor, ele observa o preparo

do coquetel, repara se exageraram no açúcar ou se alguma raspa de limão escapou do coador. Pedreira defende o custo-benefício de seu hobby. “Chope e cerveja estufam. Preciso tomar muitos

copos para ficar animado”, diz. “Com três drinques, apreciando devagar, já estou satisfeito.”

 

Em geral, o preço dos drinques varia de R$ 20 a R$ 35 nos bares da capital paulista. Isso explica

o perfil dos consumidores. Segundo a Associação Brasileira de Bartenders (ASSBB),eles têm

entre 20 e 40 anos, além de alto nível econômico. “A coquetelaria está se desenvolvendo porque

o Brasil prosperou”, afirma o coordenador de cursos da ASSBB,Fábio Oliveira. Nos anos

1990, ainda era difícil encontrar ingredientes importados, como destilados de luxo ou especiarias

e xaropes. Hoje, as criações abusam de elementos como pó de ouro, ágar-ágar (substância

extraída de algas marinhas) e néctar de agave (um gênero das plantas suculentas).

 

As tendências apontam para novas versões de clássicos como o dry martini, com um “twist”,

ou pitadas de modernidade. Pode ser o acréscimo de pepino macerado à receita original ou

uma vodca aromatizada. Para Marques, como antigamente era mais difícil encontrar destilados

de boa qualidade no Brasil, ficava complicado encontrar o equilíbrio e suavizar  os sabores. “Estamos revisitando esses coquetéis com técnicas atuais”, afirma Marques. A taça em Y, que caíra em desuso até para as mulheres, voltou no seriado Sex and the city. Nele, as quatro personagens brindavam

suas peripécias sexuais com o drinque cosmopolitan, que leva até suco de mirtilo-vermelho

(cranberry).

 

No Brasil, as cenas reforçaram a ideia de que o recipiente, sinônimo de sofisticação, põe em

dúvida a orientação sexual do homem. Uma bobagem. A haste desse modelo de taça evita

o choque térmico e mantém a baixa temperatura da bebida. Ela é usada em drinques com alto

teor alcoólico que não levam pedras de gelo. Os marmanjos que deixaram a zoeira de lado

experimentam novas conquistas. Não necessariamente do paladar. “Meus amigos aprenderam

receitas pela internet só para pegar a mulherada”, diz Fred Lessa. “Para elas, preparar drinques é tão atraente quanto saber cozinhar.”

 

“FIZ UM VELEIRO NA FAVELA”

 

o suíço Mike Horn ensinou famílias pobres de São Paulo a construir um barco para expedições ecológicas

 

“Quando criança, tudo o que queria era entrar no barco do Iacques Cousteau (cientista

e cineasta francês) e participar de uma exploração. Anos mais tarde, pude ajudar crianças a concretizar o mesmo sonho. Nasci na África do Sul e moro na Suíça. Sempre gostei do

contato com a natureza e me tornei um atleta de aventura e explorador. Ao longo das minhas viagens, via como os seres humanos alteravam a natureza. Vi sinais disso do Polo Norte ao

Polo Sul, do Himalaia à Amazônia. Em 2002, comecei uma jornada pelo Círculo Ártico, que durou dois anos e três meses. Viajei sozinho, sem transporte motorizado. Tinha o dia todo para olhar para o gelo e pensar. Nesse período, tive a ideia da expedição Pangaea.

 

O objetivo do projeto era mostrar para os jovens a biodiversidade que ainda existe no planeta e como

ela está ameaçada. Para isso, pensei em construir um barco grande, onde pudesse reunir crianças de diversos países, para fazer essas viagens de conscientização ambiental. A cada mês, duas crianças de cada continente nos acompanhariam na expedição. Consegui patrocínio facilmente, com

a Mercedes-Benz, uma antiga financiadora das minhas expedições.

 

Em 2007, com o projeto aprovado, chegou a hora de construir o barco. Optei por me instalar no Brasil. Já conhecia o país desde uma viagem pela Amazônia, entre 1997 e 1998. Aprendi até a falar um pouco de português com os caboclos. Apesar da experiência amazônica, preferia São Paulo para

montar a embarcação. Tomei essa decisão porque, na cidade, existe muita gente que trabalha bem com as mãos e não tem emprego. Montamos uma espécie de escola numa favela de Itapevi,

onde essas pessoas aprenderam a construir o barco. Duzentas famílias se envolveram

ao longo de um ano. Fizemos também um trabalho de conscientização ecológica com eles. Quando a gente reciclava o alumínio, eu convidava as famílias e as crianças da favela para ver a reciclagem, preparávamos comida e fazíamos uma festa.

 

É difícil trabalhar no Brasil porque, quando precisamos importar equipamentos específicos, as taxas são altíssimas; e os obstáculos burocráticos, grandes. Ao mesmo tempo, este é um país onde tudo parece impossível, mas na realidade é possível. A tecnologia no Brasil é excelente, e o modo como as pessoas trabalham na indústria é bem profissional.

 

A embarcação ficou incrível, e os únicos problemas que tive nas viagens foram por causas naturais, como tempestades. Até agora, dei cinco voltas ao mundo ao longo de quatro anos do projeto. Quando a jornada acabar, queremos fazer um barco maior, para acomodar mais gente e levar nas viagens também adultos. Uma embarcação maior pode custar até uns € 18 milhões, incluídos os seguros e tõdas as normas de segurança que respeitamos para transportar crianças. (orno o barco que fiz no Brasil ficou perfeito, penso em construir o próximo no mesmo lugar, com as mesmas pessoas. Afinal, elas foram uma parte muito importante do projeto Pangaea.’

 

INTELIGENTE? NEM TANTO

 

A TV da Samsung aceita comandos de voz e gestos. mas frustra

 

Samsung diz que suas TV s são o início de uma nova era. A afirmação se revela exagerada depois de um mês com a ES8000, o topo de linha. Ela é feita para reconhecer gestos, como mover a mão para mexer o cursor na tela. E comandos de voz. Você diz: “Ligar Smart TV” – e ela liga. Levei duas horas e meia para configurála. Depois, a TV não reconhecia nenhum de meus gestos. Quando conseguiu, se confundiu. Balancei a cabeça, e ela achou que eu movia o braço para trocar de canal. Desisti. Os comandos de voz funcionaram, mas são limitados. O controle remoto é mais prático.

Um segundo controle tem um touch pad para navegar na internet pela TV e botões para comandar outros aparelhos da casa. Mas nem a TV se comunicava com ele. Pelo menos a ES8000 brilha com

a tela de 46 polegadas de imagens cristalinas, que parece maior com as bordas finas. O modo 3D

impressiona. Custa R$ 6.499.

Rafael Barifouse

 

QUANDO É PRECISO CONFIAR NA VOZ DA EXPERIÊNCIA

 

Em nossa última expedição, navegamos com nosso veleiro pelos fiordes gelados da Patagônia chilena, próximo à Geleira Pio XI, a segunda maior do mundo. Os fiordes são braços de mar que entram nos vales, ladeados por montanhas escarpadas. Eram condições novas para nós e para o veleiro também. David, meu filho e diretor de filmagem, viu um pequeno iceberg ao largo. Pediu para eu mudar de rumo e seguir em direção ao bloco de gelo. Com a câmera posta no tripé, numa saliência plana no gelo, filmaríamos o veleiro Aysso navegando em direção ao bloco.

Durante a cena, a ideia era escalar o iceberg. Entusiasmado, David insistia nessa oportunidade única, aproveitando um ângulo e uma passagem que só poderíamos encontrar na Antártica.

Luciano, fotógrafo profissional com experiência em mergulho em duas temporadas na Antártica, argumentou que os raios de sol estavam muito fortes. Corríamos o risco de o pequeno iceberg perder o equilíbrio e, com nosso peso, capotar. Um incidente desses na água gelada é potencialmente fatal. David estava à procura de imagens inéditas. A preocupação de Luciano era não

pôr em risco aquela operação e, também, a tripulação. Acompanhei o diálogo, sem interferir. Não era o momento de eu dar a palavra final. Fiquei surpreso com a atitude e a determinação de Luciano. Nunca o tinha visto assumir uma posição tão firme, de cmnando. Minha interferência não foi necessária.

 

Luciano convenceu David de que haveria riscos. Eles chegaram a um acordo, e a operação foi cancelada. Continuamos a avançar, lentamente, por entre os blocos de gelo. Passados dez minutos’ o silêncio daquela paisagem foi quebrado por um estrondo, como um tiro de canhão. Olhamos para trás e vimos o iceberg rachar-se ao meio e virar, lentamente, de cabeça para baixo. Pelo tempo decorrido, calculamos que, naquele momento, estaríamos escalando a geleira. Seria um desastre, e a expedição poderia terminar ali.

 

Quando se tem um objetivo comum, a confiança no companheiro e em sua experiência se sobrepõe à hierarquia. A decisão, em momentos como esse, é da pessoa mais experiente.

 

O NOVO MAIOR HUMORISTA DA AMÉRICA

 

Luis C.K. se torna uma estrela com série polêmica, revoluciona o mercado de comédia stand-up e conquista fãs como Woody Allen e Jerry Seinfeld

 

O humorista Louis C.K., de 44 anos, é um pesadelo para os conservadores. E também para os progressistas. Ele acaba de estrear nos Estados Unidos a terceira temporada da série Louie, baseada em sua própria vida de comediante, homem separado e pai de duas filhas. O sucesso é estrondoso, ainda que não seja unânime. Numa cena da nova temporada, ele está no carro com uma mulher que acabou de conhecer. Ela se oferece para fazer sexo oral. Ele aceita, adora, mas se recusa a devolver a gentileza. Pede desculpas. “Isso é muito íntimo, eu mal conheço você”, diz.

Por causa de tiradas como essa, Greta Van Susteren, âncora do canal de notícias Fox News, já o chamou de “porco”. “Ele rebaixa a imagem de todas as mulheres”, afirmou. A ênfase é a mesma para os elogios. A revista americana Time incluiu c.K. entre as personalidades mais influentes do país em 2011 e descreveu seu show como “uma reflexão sobre o que significa ser humano”. A revista Entertainment Weekly foi mais direta na capt da edição do começo deste mês: “O maior comediante

do mundo”.

 

A série Louie – ainda sem previsão de estreia no Brasil – tem orçamento de US$ 200 mil por episódio e atrai 2 milhões de espectadores toda semana. São números baixos para as grandes produções da TV americana, mas o conteúdo repercute. Entre seus temas preferidos estão paternidade, relacionamentos e morte. Sexo, masturbação e violência. A série ganhou admiradores famosos

como o humorista Ierry Seinfeld, que fará uma ponta na atual temporada, e Woody Allen,

que convidou ex. para atuar em seu próximo filme.

 

O nome verdadeiro de c.K. é Louis Szekely, sobrenome que herdou do avô, um judeu húngaro que emigrou para o México. Na adolescência, ele começou a escrever e apresentar espetáculos de comédia stand-up. Logo em seguida passou a se apresentar em talk shows americanos famosos.

No ano passado, inovou ao vender o DVD de seu último espetáculo, Live at the Beacon Theater, exclusivamente em seu site, por US$ S. Faturou mais de US$ 1milhão. Seu modelo de negócios passou a ser imitado por outros comediantes.

 

O texto de c.K. evoluiu com o tempo. Foi das piadas sobre a realidade do “homem branco comum” para tiradas mais cerebrais sobre as contradições da sociedade e da vida de pai divorciado.

CiK, se separou da mulher em 2008 e compartilha a guarda de suas duas filhas.

 

A acidez de seu humor dificilmente seria repetida por humoristas brasileiros. Por maior que

seja o conservadorismo americano, existe nos Estados Unidos um respeito quase religioso à liberdade de expressão. Há um território livre para artistas contestadores (leia o quadro abaixo). No Brasil, a tradição social e jurídica tende a proteger mais quem se sente ofendido do que o direito abstrato de ofender quem quer que seja.O resultado mais recente dessa postura foi a demissão do humorista Rafinha Bastos, que fez uma piada grosseira no programa CQC. Afastado da Band, Rafinha seguiu os passos de c.K. e lançou uma série de TV baseada em sua vida. Até agora, os resultados de crítica e público não são equivalentes.

 

Com a estreia do terceiro ano de Louie, no mês passado, acumularam- se as propostas para

que C.K. largasse o canal FX em troca de audiências e orçamentos maiores nas grandes redes. Além de cachês. Ele recusou. Seu descaso pelo dinheiro é lendárie. Não é só isso que está em jogo. Sua preocupação central é a liberdade de criação. À revista ‘Entertainment Weekly, ele afirmou: “Sou

apenas um cidadão bem sujo. Digo coisas horríveis. Quero ter a liberdade de fazer isso”.

 

PELA GLÓRIA OU POR DINHEIRO?

 

A nova geração revive o velho embate entre escritores cabeça e comerciais

 

A 10ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty terminou com uma dúvida no ar: o que é mais importante para a literatura brasileira, divertir ou produzir livros com pretensões artísticas? A questão surgiu a partir do lançamento de duas coletâneas com textos de jovens escritores brasileiros. Do lado mais culto estava a Granta – Os Melhores Jovens Escritores Brasileiros (Objetiva, 288 páginas, R$ 34,90). Conhecida por revelar nomes como lan McEwan e Salman Rushdie, a publicação britânica anunciou, com muita badalação, a lista dos que seriam os 20 grandes autores brasileiros com menos de 40 anos. Do outro lado, ali mesmo em Paraty, estava a oposição: Geração subzero (Record,

370 páginas, R$ 39,90), uma festa literária alternativa para autores menos incensados, apresentada como uma compilação de “jovens escritores congelados pela crítica, mas adorados pelos leitores’:

 

 

Na apresentação oficial da Granta, o diretor-geral da Objetiva, Robert Feith, deixou clara a ambição de suas escolhas. Afirmou que os nomes da coletânea “definirão os rumos da literatura brasileira nos próximos anos’: A partir de novembro, todos eles passarão a ser exportados. Primeiro, serão traduzidos para o inglês e vendidos nos Estados Unidos e na Europa. Depois, é provável que cheguem a outros países onde a Granta atua, como Bulgária, China, Espanha e Itália. Autores como o carioca João Paulo Cuenca, de 33 anos, e o paulistano Antonio Prata, de 34, são tratados como expoentes da literatura nacional. O criador do projeto Geração subzero, Felipe Pena, professor da Universidade Federal Fluminense, também tem uma motivação clara: alfinetar. “Oponho-me à ideia pretensiosa de que é possível relacionar os melhores autores nacionais:’ Em meio às farpas, cabe a pergunta: existe mesmo oposição entre autores “eruditos” e “populares”?

 

Segundo Pena, sim. Em sua coletânea, ele buscou autores que “formassem leitores’: preocupados com o prazer da leitura. Ele rechaça a literatura rebuscada, que julga ser o alvo da Granta. “Esse grupo determina que só têm valor os escritores cuja prosa se aproxima daquela receita de que literatura é para poucos’: diz. “É uma visão elitista, que afasta leitores.” Pena descobriu os escritores que, segundo ele, os brasileiros realmente leem. No grupo se encontra a escritora carioca Thalita Rebouças, de 37 anos, uma recordista em vendas no país. Com 13 livros no currículo, ela vendeu mais de 1,3 milhão de cópias. Há também  André Vianco. Em 13 anos escrevendo sobre mundo fantástico, ele soma 900 mil livros vendidos Na outra ponta da discussão, os editores da Granta não aceitam a acusação de elitismo. Marcelo Ferroni, que ajudou na coletânea e trabalha na editora Alfaguara, diz que na Granta brasileira há todo o tipo de texto. “Não acho que seja hermética ou intelectualizada”, afirma. Ele também contesta a ideia de que o material da revista afaste a grande massa de leitores. “Ela acabou de ser lançada. Ainda não dá para afirmar o que os leitores acham”, diz. Ferroni admite que o material da Granta é mais literário, porque os textos são escolhidos por gente da academia. Mas não enxerga nenhum preconceito contra a literatura de entretenimento:

“Na Subzero há autores que admiro, como o Raphael Draccon”.

 

Fora do Brasil, essa discussão é tão velha quanto a prensa de Gutenberg. Ela se repete no Brasil agora porque, finalmente, surgiu no país uma literatura de entretenimento, que não existia 15 anos atrás. Ela torna o Brasil mais parecido com mercados como os EUA e a Europa, onde as pessoas andam de metrô lendo best –sellers digeríveis, não obras de Tolstoi ou Philip Roth. Parte dessa nova onda de expressão e comércio acompanha a ascensão da internet. Eduardo Spohr, de 36 anos, autor de A batalha do apocalipse – que vendeu mais de 300 mil cópias -, virou best-seller depois que suas histórias se tornaram populares na rede. Assim como ocorreu com autores de grande sucesso no exterior, ele nunca recebeu críticas positivas em jornais ou revistas. Nem foi preciso. “São dezenas de lançamentos por mês de cada editora, não dá para ler tudo”, diz o crítico José Castelo, colunista do jornal O Globo. “Quem trabalha com livros se sente aflito. Pode ter passado um gênio ali, naqueles milhões de provas que você não conseguiu ler:’ Não é o caso de se preocupar. Se

esse gênio existir, é provável que ele seja localizado pelos leitores em algum lugar da internet.

 

MUY AMIGOS

 

O melhor amigo do homem não é um senador. Muito menos um bicheiro. Demóstenes Torres descobriu isso tarde demais. Aliás, quem descobriu foi a imprensa. Demóstenes foi cassado, segundo ele, por pressão nossa, da mídia e da sociedade. E por não ter amigos no reino da mentira e da promiscuidade. Era um solitário no Senado, visto como falso, arrogante e prepotente. O re’i das grandes frases para os jornalistas.

 

Ficou mais sozinho nos últimos tempos, um “cão sarnento” em suas palavras. Não dormia nem com remédio. Sua mulher evitava sair com ele para beber vinho. Pelo menos, ainda está casado e só se sente traído por seus pares. Para a Justiça de Goiás, Demóstenes continua com força na peruca: ele voltou a ser procurador criminal do Ministério Público. Com salário de R$ 24 mil e dois assessores. O decoro perde assim para a decoração. A sala tem o nome de Demóstenes na porta. Estão vetados rádios Nextel e geladeiras importadas. Menos sorte no amor tem o suplente do senador cassado,

Wilder Pedro de Morais, um homem bem-sucedido nos negócios. Foi o segundo maior doador

da campanha de Demóstenes segundo a Justiça Eleitoral. Deu R$ 700 mil.

 

Filho de peão, criado na roça e hoje mega empresário em Goiás, Wilder perdeu a mulher bonitona e mãe de seus dois filhos, Andressa, para o “padrinho” Cachoeira, a quem chama na intimidade apenas de Carlinhos. Andressa foi morar na casa do bicheiro em 2010, logo após a separação. Um enredo de novela das 8 com nome de Brasil. Wilder perdeu a mulher, mas não o humor. Tachado de “o marido traído da CPI” ou coisa mais chula, ele brinca ao confirmar a “sociedade” com o bicheiro. “É lógico que somos sócios. Sou sócio involuntário do Cachoeira na mulher!” O fingidor Cachoeira teria sondado Wilder: “Quero saber se essa separação é para valer mesmo, sou amigo do casal e.estou preocupado’: Wilder teria respondido: “O, Cachoeira, larga de ser cínico que eu sei que a Andressa está morando em sua casa’: Cachoeira ainda tentou convencê-lo de sua boa intenção: “Mas ela está lá só como amiga’: “Olha aqui, Carlinhos’: afirmou Wilder. “Casamento tem dois momentos: o ruim e o bom. O ruim é quando a mulher dá problema. E o bom é quando a gente passa o problema e a mulher para a frente.” Cachoeira nunca perdeu a chance de lembrar a Wilder que foi ele quem o colocou como suplente e secretário de Infraestrutura no governo de Perillo, do PSDB de Goiás. Está gravado e revelado. Cachoeira também tentou derrubar sua criação. Chamou o afilhado de “bosta” e disse a Demóstenes: “Temos de preparar um nome para substituir o Wílder

 

Pelo conjunto da obra, Cachoeira poderia ter sido inspiração para Iô Soares, que criou a expressão “muy amigo” na boca do argentino Gardelón. O personagem sempre se dava mal com traidores que se passavam por bonzinhos. Na semana passada, Wilder estava de férias no Nordeste. Voltou ao Senado na sexta-feira 13, mais bronzeado.Terá muito a explicar. Como substituir um senador cassado por suas relações íntimas com Cachoeira?

 

A ironia perversa é que a cassação de Demóstenes até o ano de 2027 talvez tenha sido ajudada pelo voto secreto no Senado. No escurinho do teatro, quantos beneficiados por “Carlinhos” votaram, na verdade, só para tirar do palanque um arquivo vivo? Tenho curiosidade particular pelos cinco que se abstiveram, envergonhados de si mesmos. A sessão foi transmitida pela TV Senado, e o resultado foi bom para a moralização política. O contrário teria sido um escândalo – como tantos no passado recente. Mas as expressões de orgulho dos senadores soam hipócritas. “Cabeça erguida.”

 

“Cumprimento da justiça e de nosso papel,” “A imagem da instituição está salva.” Tudo isso, numa casa onde reinam figuras como Renan Calheiros, que assistiu à votação de pé. Líder do PMDB, antigo alvo da fúria ética de Demóstenes, Renan deu no cachorro morto um leve abraço muy amigo com três tapinhas nas costas.

 

No discurso de defesa e despedida, Demóstenes ameaçou ao citar o refrão de “Cartomante’: de Ivan Lins com Vitor Martins. Cai o rei de espadas/Cai o rei de ouros/Cai o rei de paus/Cai, não fica nada … Eu me pergunto quem será o rei de ouros. O Senado abusou muito tempo de sua arrogância corporativista. Em 2007, fechou ao público a votação do processo contra Renan Calheiros, absolvido por 40 a 35 votos. Foram seis as representações do Conselho de Ética pela cassação. Contas pagas à amante por um lobista de empreiteira. Notas fiscais frias. Empresas fantasmas. Desvios de dinheiro. Laranjas,’vacas. Eram outros tempos. E Renan é do PMDB, amigo do rei. “O Senado esteve à altura. É difícil, mas aqui não é uma confrariade amigos’: disse o senador Randolfe Rodrigues (PSOLAP), autor da representação contra Demóstenes. Pode ser. É uma confraria de muy amigos.

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